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Leonardo Sakamoto

Fazendeiro é flagrado pela sexta vez (!) com escravos

Leonardo Sakamoto

15/08/2010 09h16

O mais importante não é a notícia a seguir, mas o que está por trás dela:

O governo federal libertou 45 trabalhadores rurais em situação análoga à de escravo na fazenda Zonga, em Bom Jardim (MA). Esta é, pelo menos, a sexta vez em que isso acontece em terras sob controle do pecuarista Miguel de Souza Rezende – hoje com 77 anos de idade. Não perca a conta: em suas fazendas foram libertados 52 em 1996, 32 em 1997, 69 em 2001, 13 em uma ocasião em 2003 e 65 em outra e, agora em agosto de 2010, mais 45. O levantamento foi feito pela repórter Bianca Pyl, em texto publicado pela Repórter Brasil.

(Já contei aqui a história de Antônio, que foi vendido por R$ 80,00 para esse fazendeiro junto com outros companheiros. Vale a leitura do seu depoimento.)

"Mesmo que quisesse ir embora, o trabalhador não conseguiria. Ele não poderia bancar o transporte, já que não recebia os salários adequadamente", afirmou a auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego Camila Bemergui, coordenadora desta última a ação de libertação que contou também com a participação do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal. De acordo com a fiscalização, a situação em que estavam era degradante. Por exemplo, a comida servida aos empregados estava estragada e com vermes. O proprietário se negou a pagar a indenização. Aliás, "proprietário" não seria o termo correto, uma vez que a área estaria ilegalmente dentro da Reserva Biológica de Gurupi.

Seis vezes! Qual a desculpa para ser pego tantas vezes com escravos? Aí é que está, não existe. É simplesmente a impunidade plena que reina quando a Justiça não cumpre o seu papel e o infrator sabe disso de antemão. Ou, melhor, quando cumpre sim um papel de manter as coisas como estão. E a Câmara dos Deputados tem sua parcela de culpa, pois se tivesse aprovado a proposta de emenda constitucional que confisca a terra daqueles que usaram esse expediente (e que já passou pelo Senado), talvez a história de dezenas de pessoas que trabalharam na fazenda Zonga teria sido diferente.

Olha, estou há muitos anos tratando desse tema, o que acaba endurecendo um pouco a vista, diante de tanta bizarrice. Mas essa é uma daquelas notícias que dá uma chacoalhada diante da banalização da violência que nos acomete. Sinto-me envergonhado como brasileiro, com vontade de pedir desculpas a esses últimos 45 libertados por seu país saber que havia uma armadilha montada e não ter conseguido desativá-la.

Se fosse eles, pediria indenização ao Estado pelo seu papel de cúmplice.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.