Topo

Leonardo Sakamoto

Para camponeses, soja causa êxodo no Paraguai

Leonardo Sakamoto

26/10/2010 10h34

A sociedade moderna é dependente de soja. E não estou falando apenas da parte visível do uso dessa leguminosa, como o óleo que frita o bife ou um sem número de alimentos que substituem proteína animal. Mas também da ração que alimenta nossas criações ou mesmo a indústria química, alimentícia e farmacêutica. Você usa soja sem saber. Boa parte dela, transgênica – mas aí já é outra história.

A América do Sul, Brasil à frente, é um dos principais pólos produtores/exportadores do grão no mundo. Contudo, o que gera riqueza e crescimento para a economia e uma parte da população não necessariamente se faz o mesmo para o restante. Ou, pior, o que significa crescimento para um grupo acarreta em agravamento de condições de outro. Dessa vez, vamos esquecer um pouco o Brasil e pensar no vizinho Paraguai, onde os conflitos envolvendo a produção de soja têm se acirrado.

E, antes que alguém reclame, não sou contra a produção de soja, de maneira alguma. Apenas acredito que é necessário repensar modelos de produção para que situações como a que acontecem dos dois lados da fronteira tenham um final diferente. A pesquisa de campo de onde pinço as informações abaixo é do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil, levada a cabo pelos jornalistas Antonio Biondi e Marcel Gomes:

"Os camponeses estão sendo desterrados. Não há políticas especiais para o campo", denuncia Magui Balbunea, da Coordenação Nacional das Mulheres Rurais e Indígenas (Conamuri) do Paraguai. De acordo com ela, as conseqüências do atual modelo de expansão da sojicultura são cada vez mais graves. Com o avanço da soja, vem aumentando o número de sem-terras nos acampamentos e as terras agricultáveis disponíveis para a produção familiar são cada vez menores. "Há um empobrecimento terrível no campo, e migração para as maiores cidades", acrescenta a liderança camponesa. Estimativas da Mesa Coordenadora Nacional das Organizações Campesinas (MCNOC) apontam que cerca de 100 mil pessoas estão deixando suas terras a cada ano para se concentrar na área urbana.

Entidade que reúne 27 mil famílias do campo, a MCNOC estima que, paralelamente, a concentração de terras em latifúndios cresceu cerca de 34 vezes nos últimos 20 anos, sobretudo sobre as comunidades rurais e sobre as terras indígenas. "Há fome, muita fome, por causa desse modelo", afirma Luis Aguayo, secretário-geral da MCNOC. Nas contas da entidade, cerca de 2,4 milhões de paraguaios são pobres, e um milhão vive em extrema pobreza.

Segundo Elvio Trinidad, dirigente do Movimento Camponês Paraguaio, entidade que reúne 14 mil famílias, mais de 70% da população estavam no campo até a década de 1960. O censo agrícola mais recente mostra que 43% (cerca de 2,2 milhões de paraguaios) ainda vivem no meio rural. São pessoas que dependem, em boa parte, da atividade agrícola para sobreviver. De acordo com ele, "hoje temos de 300 mil a 500 mil camponeses sem terra para produzir". Além da migração para as cidades, onde nem todos encontram empregos. Na capital paraguaia Assunção, por exemplo, há inúmeras pessoas sobrevivendo de "bicos", empregos informais, ou, simplesmente, ganhando a vida como pedintes ou limpadores de pára-brisa nos semáforos. Muitos têm optado inclusive por sair do país. "A terra, que anteriormente estava com a comunidade campesina, agora está sob o controle dos sojeiros", denuncia.

Organizações camponesas tentam mudar o cenário com a aprovação de leis, por exemplo. Elvio explica que os movimentos estão mobilizados por um projeto de lei para que a exportação de matéria-prima tenha sua tarifação reavaliada, uma vez que a soja hoje produzida no país conta com diversos incentivos fiscais e quase não paga impostos. Outra opção seria apoiar a produção de algodão. Trata-se de um produto que pode servir de base a uma indústria (têxtil) que já representou um setor de importante peso na agricultura do Paraguai. As organizações campesinas, é claro, defendem uma campanha nacional pela reforma agrária.

"Precisamos de um projeto de desenvolvimento nacional", conclui Ladislau Bernardo, da Federação Nacional Campesina, sem deixar de registrar que "existe muita riqueza no Paraguai, mas precisamos aprofundar a sua distribuição".

Tal lá como aqui.

Para se aprofundar no assunto, sugiro a leitura do relatório "Os impactos socioambientais da soja no Paraguai – 2010", produzido em parceria pelo CMA-Repórter Brasil e a Base Investigaciones Sociales, do Paraguai.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.