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Leonardo Sakamoto

Quem precisa de Jon Stewart se temos Tiririca?

Leonardo Sakamoto

31/10/2010 08h58

Jon Stewart é um dos comediantes mais geniais em atividade. Em seu programa The Daily Show, consegue misturar, na medida certa, doses de humor, jornalismo e engajamento político, com inteligência e sem truculência (aliás, alguns pseudo-humoristas brasileiros bem que podiam aprender com seu estilo quando tentam se aventurar por essa área e acabam espumando grosseria).

Ontem, no National Mall em Washington DC (extensa área verde parecida, grosso modo, com a nossa Esplanada dos Ministérios, mas sem os ministérios), ele puxou uma série de comícios "para restaurar a sanidade" política e pedir a volta dos moderados, conforme matéria de Andrea Murta, na Folha de S. Paulo de hoje. A idéia foi ajudar a rebater a onda conservadora que está avançando nos Estados Unidos por conta das eleições legislativas marcadas para esta terça e, por isso, reuniu não apenas democratas (como ele próprio) mas também republicanos. Pelas fotos que estão circulando na internet, o Mall, graças a Alá, estava lotado.

O contraponto claro é ao pessoal do movimento de extrema direita Tea Party, que está ganhando evidência nessas eleições, com um discurso que quer limitar ainda mais a influência do Estado e aplicar na marra valores conservadores na vida das pessoas (bem, os mesmos que a gente conhece por aqui). Por enquanto, encontram no Partido Republicano um ambiente para prosperar. Até quando criatura – nhac – devorar o criador…

O fato é que muitos dos brancos, anglo-saxões e protestantes que fazem parte do grupo quase infartaram quando o governo Obama (que para eles é muculmano, indonésio e socialista) conseguiu aprovar um simulacro de sistema de saúde pública para os Estados Unidos. A depender o discurso de alguns deles, não duvido que não só a abolição da escravidão seria revogada, mas também a segregação por cor de pele nos banheiros públicos voltaria. Ou seria instituído o Dia Nacional de Caça ao Imigrante Latino Ilegal. "Olha lá, pai! Brasileiro vale três pontos, atira!"

Os discursos inflamados desse pessoal nas últimas semanas, que tenta alastrar um clima de medo contra mudanças necessárias ou mesmo garantias de direitos, pode em um primeiro momento beneficiar o partido republicano na disputa de poder com o governo. Ainda mais porque parte do eleitorado democrata está descontente, achava que o governo iria mais longe (feito a sensação de muitos eleitores históricos do PT no primeiro governo Lula). Mas no longo prazo, perde a sociedade de uma maneira geral. E nós que, gostando ou não, sofremos influência do que acontece por lá.

(Se você está pensando em fazer um doutorado nos Estados Unidos, a hora é esta. Apesar dos contextos eleitorais diferentes, as ondas consevadoras aqui e lá serão um prato feito para anos de pesquisas em política comparada. O que vai ter de instituto oferecendo bolsa de estudo para quem ajudar a entender esse fenômeno, não é brincadeira. Ou alguém duvida que as igrejas aqui também não cobram fatura?)

Fico imaginando se seria viável, por aqui, termos realizado um ato suprapartidário pela sanidade política, no Vale do Anhangabaú, no Aterro do Flamengo, no Gasômetro ou na Castro Alves, com artistas e políticos de ambos os lados, para impedir que os direitos humanos fossem jogados na lata do lixo – levando em conta que ambos os partidos que estão no segundo turno os têm/tinham como bandeira histórica. Já discuti isso anteriormente, então não vou entrar nessa seara. Talvez sim. Talvez não.

O problema é o mestre de cerimônias. Enquanto eles têm Jon Stewart como o comediante mais conhecido na política, por aqui, nós temos Tiririca.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.