O problema da fome não é de falta e sim de distribuição
Falar de fome como pauta jornalística, acadêmica ou de política pública, desculpem-me pelo termo, é uma tarefa do inferno. Particularmente, nunca senti fome de verdade para poder entender de verdade e falar a respeito. Passar um dia ou dois dias sem comer por alguma catástrofe não conta. É diferente da dor sentida por aqueles que realmente não têm acesso a alimento e têm que ir para cama mais cedo encarar o ronco do sono para não encarar o ronco do estômago. Fome é sensação de ser comido por dentro, em uma angústia longa de rogar por Godot, esperar por Godot. E Godot não vir.
Cerca de 11,2 milhões de pessoas (ou 5,8% da população no país) conviveram com a fome em 2009 – um milhão delas, crianças de até quatro anos de idade – por falta de dinheiro para comprar comida. A informação é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e foi divulgada nesta sexta (26) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Trouxe alguns dados publicados pela Agência Brasil: ao todo, 65,6 milhões de brasileiros não se alimentam direito. Desse total, 40,1 milhões convivem com uma forma leve de insegurança alimentar (quando admitem que pode faltar dinheiro para comida). Enquanto isso, mais 14,3 milhões estão na situação moderada – casos em que, no período de três meses anteriores à pesquisa, houve restrição de comida. Os demais (11,2 milhões) passam pela privação de alimentos, a insegurança alimentar grave.
A maior parte da população com fome no país está no Norte (9,2% dos domicílios) e no Nordeste (9,3%). No Sul e no Sudeste, os percentuais não chegam a 3%. A situação também é melhor em regiões urbanas do que em rurais.
A quantidade de pessoas em situação de inseguração alimentar grave passou de 8,2% para os 5,8% já citados entre 2004 e 2009, ou seja, cerca de 7 milhões de pessoas melhoraram de vida. Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e a geração de empregos merecem crédito por isso, mas esse processo ainda está lento demais. Pode soar demagógico, mas fome é algo que não se pode dar mais tempo. Atuar nos dois processos descritos acima, com o aumento no valor do repasse é algo que pode ajudar.
Para efeito de comparação, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), estima-se que 925 milhões de pessoas se deitem com fome todas as noites. O número é menor que o 1,023 bilhão do ano passado, mas ainda assim ultrajante. Tão ou mais é o fato de que uma criança, a cada seis segundos, morre de causas relacionadas à fome no mundo. Seis segundos. E dois terços dos subnutridos estão em sete países: Bangladesh, China, Índia, Indonésia e Paquistão (Ásia) e Congo e Etiópia (África).
O mais interessante é que o problema na fome no Brasil e no mundo não é de falta e sim de distribuição. Tem riqueza e alimento para todo mundo, a questão é distribuí-los. Garantir que todos tenham acesso às mesmas oportunidades e ao mesmo quinhão de Justiça. Para isso, nossa geração terá que ter a coragem de demolir estruturas arraigadas desde a fundação do país, que garantem que uns tenham tudo e outros nada. Essa será a diferença entre garantir o mínimo do mínimo e garantir dignidade. Por exemplo, acesso à terra.
Desculpem pelo ceticismo, mas acho mais fácil Godot aparecer do que isso acontecer.
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