Jovens podem trabalhar com bebida alcoólica?
A Superintendência Regional do Trabalho do Mato Grosso afastou um adolescente de 16 anos do trabalho como garçom de um restaurante em Várzea Grande, município colado à capital Cuiabá. A pedido do pai, a Vara Especial da Infância e Juventude autorizou a volta do rapaz ao serviço, mesmo com posição contrária do Ministério Público do Trabalho.
O magistrado Jones Dias levou em consideração a Constituição Federal, que proíbe o trabalho de jovens com menos de 14 anos e permite de 14 a 16 (na condição de aprendiz) e acima de 16 em qualquer condição, desde que não seja serviço noturno, insalubre e perigoso. Ele trabalharia durante o dia, portanto, na opinião do juiz, estaria dentro da lei. A decisão foi tomada no mês passado e agora foi publicizada pelo poder público.
Mas, como ressaltou a este blog o superintendente regional do Trabalho no Mato Grosso, Valdiney Arruda, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Consolidação das Leis do Trabalho proíbem o trabalho com bebidas alcoólicas, que fazia parte das suas atividades.
O Artigo 67 do ECA diz que "ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho: (III) realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social".
Ao passo que o artigo 403, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho foi alterado em 2000 para contemplar redação semelhante: "o trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola".
O juiz não considerou ainda o decreto 6481, de 12 de junho de 2008, que inclui o tipo em questão ("venda, a varejo, de bebidas alcoólicas") na lista de Piores Formas de Trabalho Infantil e portanto proibido antes dos 18 anos.
Por fim, há jurisprudência dizendo o contrário. Em uma decisão de 2010, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou a proibição de jovens com menos de 18 anos de trabalharem em locais com venda de cigarro e bebidas alcoólicas no Distrito Federal utilizando tanto o ECA quanto a CLT como justificativa.
O fato é que o magistrado preferiu referendar o pátrio poder do que analisar as consequências desse trabalho para a qualidade de vida do rapaz. De acordo com juízes trabalhistas que ouvi em São Paulo sobre o assunto, se o caso tivesse caído em uma vara trabalhista ou federal haveria grandes chances da decisão ser diferente. Mas como "se" não existe na vida real, o caso teve o desfecho que teve.
Seria leviano da minha parte dizer que um braço moleque que segura uma bandeja não se faz importante para complementar o sustento de muitas famílias. E que isso não se repete em todo o país, em milhares de botecos, biroscas, bares, restaurantes e afins. Ou mesmo supor as razões que levaram o pai a esse pedido. Mas o contato que os jovens mantém desde cedo com bebidas alcoólicas, sem preparo físico ou psicológico para isso, pode induzi-los ao consumo precoce e aos conhecidos danos recorrentes disso. Além do mais, o desempenho da atividade pode ocorrer em detrimento à formação individual do rapaz.
Aqui surgem os leitores bradando: mas eu trabalhei cedo e isso moldou meu caráter! Até entendo que muita gente sinta que sua experiência de superação é bonita o suficiente para ser copiada pelo seu filho ou filha. Mas será que não imaginam que o trabalho infantil (de uma maneira geral) e o trabalho de jovens (em situações específicas), que atrapalham o desenvolvimento da pessoa, não precisa ser hereditário?
A Organização Internacional do Trabalho recomenda que o itinerário de trabalho não deve começar com um emprego – ainda mais com um emprego como esse – mas com a educação, a formação ou a acumulação de experiência produtiva. De qualidade.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.