Topo

Leonardo Sakamoto

Censo 2010: analfabetismo e nossa falta de pressa

Leonardo Sakamoto

29/04/2011 12h50

O Censo 2010 apontou que 9,6% dos brasileiros com 15 anos ou mais é iletrada – mais especificamente 13.940.729 pessoas, quase uma Bahia inteira.

No Nordeste, onde o índice é maior, atinge 19,1%. No último lugar, as Alagoas de Fernando Collor e Renan Calheiros, com quase um quarto da sua população (24,3%) sem saber ler ou escrever. Quando considerada só a zona rural do Estado, a taxa estoura para mais de um terço (38,6%). Os números ainda podem sofrer alterações, mas dificilmente mudarão de grandeza.

A quantidade de analfabetos vem caindo (era 13,6% no último levantamento, em 2000), mas a uma velocidade menor do que a necessária. Aliás, se os governos não tomarem cuidado, a queda ficará camuflada pela própria renovação geracional (os mais velhos, iletrados, morrendo e dando lugar nas estatísticas aos mais novos, que se beneficiaram da oportunidade que seus pais não tiveram de acesso a programa de transferência de renda ligados à educação básica). Ou seja, ao invés de aumentar os recursos investidos em programas de alfabetização de jovens e adultos estaremos solucionando o problema ao deixar o estorvo morrer com o tempo.

Ao mesmo tempo, o letramento digital vem crescendo. Como já apontei aqui antes quando saíram os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), também divulgada pelo  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Sudeste era a região com maior número de internautas: são 33,5 milhões de pessoas, ou 49,3% dos usuários da web no país. No total, representava 48,1% da população local. No Nordeste, eles eram 30,2%. O grupo de usuários que mais aumenta é o de jovens entre 10 e 14 anos, com 58,8% (eles eram 24,3% em 2005). Entre aqueles com 50 anos ou mais, 15,2% acessavam a internet.

Cantamos loas ao maravilhoso mundo de bits e bites, mas muitos se esquecem de que parte da população não faz idéia de onde fica essa tal de internet ou a que horas ela deve passar no ponto da lotação. E a velocidade de expansão dos que navegam na rede irá colidir, em algum momento, com a dificuldade de alfabetizar digitalmente um analfabeto funcional. Ou seja, um problema não resolvido encontra outro problema a resolver.

Considerando que, dentro em pouco, grande parte da vida das pessoas irá passar necessariamente pela rede (e muitas instituições, de bancos a empresas de serviços públicos, a fim de poupar dinheiro, já fazem questão de jogar tudo para dentro da internet como se todo mundo já estivesse lá) isso significa que o abismo entre incluídos e excluídos será maior do que hoje.

E por falar em estrutura etária, os idosos eram 3,3% da população há 20 anos. Depois, em 2000, 4,3%. Agora, 5,8% ou 14.081.48 com 65 anos ou mais.

Vivemos em uma sociedade na qual os que viveram mais não são vistos como patrimônio de conhecimento, mas sim como estorvo produtivo, por não poderem fornecer ao capital a mesma energia que garantiam antes, quando eram moços. O interessante é que à medida em que o tempo avança e a pirâmide demográfica brasileira vai mudando, com a redução no número de jovens na base (crianças de até 5 anos – 1991: 11,5%; 2000: 9,8%; 2010: 7,6%)  e o aumento no número de idosos no topo, vamos percebendo a armadilha que estamos construindo para o nosso próprio futuro – e não estou falando da questão previdenciária, mas sim da ausência de políticas públicas que garantam respeito e dignidade ao nosso próprio futuro. Porque, pasme, você vai ficar velho.

E não pense que isso ocorre apenas com atividades que demandam força física – jornalista, por exemplo, também vai ficando ultrapassado aos 50 em nossa sociedade que também despreza a experiência de vida. Poucos são aqueles que se mantém bem posicionados na profissão sem serem atropelados pelos mais jovens que vêm cheios de gás para dar à redação, aceitando ganhar menos e trabalhar mais.

Velhos, analfabetos, desconectados, desempregados. A gente até pode conseguir, lá na frente ganhar esse jogo de xadrez. O problema é a quantidade de peões que perderemos no caminho em decorrência de nossa falta de pressa e indiferença.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.