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Leonardo Sakamoto

Anúncio é anúncio, notícia é notícia. Será?

Leonardo Sakamoto

25/11/2011 10h27

Há, entre alguns de nós jornalistas, uma má vontade com publicitários. Eu nem diria má vontade, pois está mais para um sentimento de superioridade, como se fossemos de uma casta escolhida pelas forças do universo, guiada pela missão divina de trazer a Verdade para os pobres mortais (atenção para o "V" maiúsculo, que nem de longe é de Vendetta), enquanto eles se vendem diariamente, mantendo incestuosas relações com empresas que querem tornar imaculados espaços de jornais, revistas, TVs em templos da perdição e da enganação em forma de anúncios.

Quando vem à tona o fato de que é o trabalho deles que garante o nosso, empinamos o nariz – hum! – e deixamos o recinto. Até porque, como todos sabemos, todo jornalista é humilde.

Feito esse necessário "porém", trago uma reclamação de colegas repórteres, blogueiros, tuiteiros e afins: eles ou as empresas para os quais trabalham cada vez mais vêm recebendo pedidos de agências de publicidade para que coloquem publieditoriais (aqueles anúncios travestidos de matérias) sem que seja informado que a inserção foi paga. Ou seja, ofertas para publicar um conteúdo publicitário como se fosse opinião do blogueiro ou colunista.

Isso não é novidade no mundo jornalístico. Mas a percepção é de que a popularização da internet têm aumentado o número de casos, por aumentar o número de veículos de comunicação, grandes e pequenos.

Quando um jornalista com certa credibilidade em determinado meio endossa um produto ou serviço, muita gente de boa fé pode ir atrás e seguir a recomendação. Nenhum problema quando é uma análise desvinculada, comparativa ou independente (na medida do possível, porque imparcialidade, em última instância, não existe), que vai apontar defeitos e qualidades. Mas se os leitores descobrissem que aquele texto elogioso não partiu do jornalista, mas sim da própria empresa ou de seus representantes, eles mesmos colocariam em cheque a avaliação.

E não estou tratando aqui de merchandising, mas sim de matérias com cara de anúncio e anúncios com cara de matéria. Se uma agência quer publicar um texto em um espaço que está à venda têm todo o direito, mas que seja – ao menos – inserido um aviso, do tipo "Informe Publicitário". Há casos gritantes em que a diagramação e a tipologia do anúncio são as mesmas das revistas e dos jornais, o que confunde e engana.

Leitores não são idiotas (alguns se esforçam para parecer, mas isso já é outra história), percebem quando alguém está tentando empurrar um gato por lebre. Ainda mais em tempos de Facebook e Twitter, esses gatos correm feito fofoca, alimentados, não raro, pelos próprios jornalistas da mídia convencional e da alternativa (ah, ou vocês acham que a mídia, por ser alternativa, vira uma vestal?) que usam esse momento como a hora do troco.

Colegas da imprensa têm me relatado que algumas agências se negam a anunciar se esse material travestido aparecer destacado como anúncio. O mesmo vale para Twitter. Sim, microposts pagos existem.

Bem, se tem muita gente reclamando, há outros tantos felizes da vida com isso. Profissionais que oferecem de bom grado seu espaço, emprestando – ou melhor, vendendo – a credibilidade conquistada em posts e tuítes, enganando a boa vontade alheia. Pois o problema não é concordar com um produto ou um governo, mas receber por isso e dizer que nada aconteceu.

O papel do jornalista está mudando com a ampliação do acesso da sociedade à rede mundial de computadores. Cresce o número de produtores de notícias uma vez que os canais para distribuí-las estão cada vez mais à mão. Na prática, qualquer um pode ser produtor de notícia. Podemos discutir a qualidade dessa informação, se ela está dentro de padrões éticos e estéticos, mas não podemos negar que ela existe, circula e causa impactos negativos e positivos. É a ampliação da democracia, imperfeita, mas o melhor que temos.

Diante dessa realidade, cresce a importância do jornalista como "porteiro" de informação, agregando-a para públicos-alvo específicos. Ou seja, oferecendo ao consumidor o produto que ele procura. Ao mesmo tempo, com a montanha de conhecimento circulando por aí, os leitores buscam profissionais que destaquem, analisem ou relacionem esse conhecimento em blogs e colunas. Conectam-se a essas pessoas por concordar ou discordar de sua forma de interpretar o mundo. Não gosto muito das teorias simplistas que tratam da formação da opinião pública. Mas conquistando corações e bolsos de algumas dessas pessoas é um passo para arrecadar corações, bolsos e votos da população.

A discussão ética da relação entre o jornalismo e as formas de financiá-lo é longa e antiga. Captar recursos junto à iniciativa privada e o poder público sem ser (muito) influenciado por eles é difícil, mas fundamental por razões óbvias. Isso é impossível sem que seja dado transparência a essas relações.

Não por causa de algum pressuposto metafísico. Mas para que possamos mirar o espelho sem desviar o olhar a cada manhã.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.