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Leonardo Sakamoto

Consórcio de Belo Monte eleito o Pior de 2011

Leonardo Sakamoto

10/12/2011 09h49

Há mais de duas semanas, este blog lançou a pergunta:

Qual foi a empresa que mais desrespeitou os direitos humanos ou o meio ambiente no Brasil em 2011?

Neste sábado, Dia Internacional dos Direitos Humanos, como previsto, a votação foi encerrada. E os leitores elegeram a Norte Energia SA (Nesa), responsável pelo empreendimento.

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Responsável por Belo Monte, é acusado de assediar e ameaçar pequenos agricultores e ribeirinhos, efetuando despejos compulsórios. Duas greves estouraram em menos de 20 dias por péssimas condições de trabalho no canteiro de obra. O município de Altamira, base para o empreendimento, já sente os efeitos com centenas de moradores pobres tendo sido expulsos de seus barracos pela especulação imobiliária. Por fim, melhorias urbanas e centros de saúde previstos nas condicionantes para que fosse dada autorizacão à implantação do canteiro de obras não foram realizados.
O consórcio é formado por Eletrobras, Chesf, Eletronorte, Vale, Bolzano Participações, Caixa Cevix, Funcef e Petros.

Na primeira fase da enquete, foram centenas de comentários e mensagens com defesas enviadas a este blog, mas também via Twitter, Facebook ou e-mail, além de sugestões de jornalistas de política e economia a fim de escolher as cinco finalistas. Na segunda fase, a enquete ficou aberta para votação.

A idéia foi lembrar a todos que os impactos socioambientais oriundos da ação direta de empresas ou como efeitos colaterais do desenvolvimento econômico podem afetar muito mais do que pessoas e ecossistemas. Atingem, por exemplo, a imagem pública dos próprios envolvidos. E que, com um empurrãozinho da sociedade, corporações podem deixar de lado determinadas práticas.

Cerca de 100 hidrelétricas de grande, médio e pequeno portes estão planejadas para a Amazônia Legal, nas próximas décadas, em rios como o Tapajós, o Tocantins e o Apiacás. Tendo em vista os graves impactos causados em trabalhadores rurais e em populações tradicionais, como indígenas, ribeirinhos e camponeses, em processos em andamento como os das hidrelétricas de Estreito, Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, podemos ter uma idéia do aprofundamento da barbárie que ocorrerá por lá.

Como sempre os grandes projetos de desenvolvimento da Amazônia vêm acompanhados de promessas de rios de leite e mel para a população local, mas na maioria das vezes os impactos negativos são tão grandes senão maiores que os positivos. Bom mesmo é para a gente do Sul e Sudeste ou das grandes cidades que vai consumir grande parte dessa energia, exportada para os nossos ar condicionados, videogames e para a produção de nossas latinhas de alumínio.

Como já disse aqui, muita coisa mudou desde que os verde-oliva deixaram o poder, naquela abertura "lenta, gradual e segura", mas mantivemos modelos de desenvolvimento que dariam orgulho aos maiores planejadores daquele período: de que, para crescer rapidamente e atingir nosso ideal de nação, vale qualquer coisa

Pedro Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos humanos no Brasil, nos contou uma vez que ouviu uma justificativa da boca de um fazendeiro português com terras no Mato Grosso que serve feito uma luva para o que estou querendo dizer: "Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço".

É interessante que os internautas que lêem este blog, ainda que não representem uma amostra representativa da população, tenham eleito uma grande obra de engenharia, ligada ao Programa de Aceleracão do Crescimento, como a que causou o maior dano à sociedade em 2011. Neste sábado, em que comemoramos 63 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, isso serve de lembrete.

Não adianta elevar a questão do respeito à vida nas relações internacionais e não executar o mesmo internamente. Se quiser fazer valer os direitos humanos, o governo federal terá que comprar brigas com áreas que, historicamente, lhe são importantes, como o setor elétrico e a construção civil. Uma briga que soa nonsense, no sentido de simplesmente cumprir a lei.

Porque, afinal de contas, o nosso capitalismo, de periferia, é uma comédia. Muitos bradam pelo respeito aos contratos, mas ninguém quer cumpri-los. Se levassemos a sério o que é firmado entre o setor público e empresas em obras como essa, de que elas não podem ocorrer passando por cima da população mais vulnerável, sobraria muito pouco andaime em pé no país.

Para ler mais sobre o processo de implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, clique aqui.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.