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Leonardo Sakamoto

Neste Natal, quero uma internet que entenda ironia

Leonardo Sakamoto

25/12/2011 11h02

Acordei querendo – além de uma outra dose de Sidra – ganhar um presente neste Natal.

Para quem endereço a solicitação tardia? Se tivesse que escolher um bom velhinho para recebê-la e encaminhá-la certeira ao Todo Poderoso, certamente não seria um cara de vermelho e cabelo branco. Ou melhor, seria.

Lembro quando Bento 16 defendeu a solidariedade em uma carta a bispos brasileiros. A que sentimento ele se referia? Se foi do tipo "caridade" – que consola mais a alma daquele que doa do que o corpo daquele que recebe – estava pregando a continuidade de uma igreja que ainda não consegue entender as palavras revolucionárias que estão no alicerce de sua própria fundação.

Mas há também a solidariedade de reconhecer no outro um semelhante e caminhar junto a ele pela redenção da alma e do corpo de ambos. Se ele falou dessa, referiu-se à Teologia da Libertação. Seria bonito, mas irônico, ver o Vaticano pregando algo que tenta soterrar há tempos. Algo tocado adiante por pessoas como Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno, Henri des Roziers e Xavier Plassat, que estão junto ao povo, defendendo o direito à terra e à liberdade e acolhendo camponeses, quilombolas, indígenas e demais excluídos da sociedade.

Conversando com um jornalista amigo, ele disse que perguntou a dois ícones da Teologia da Libertação se faziam o que fazem por ética ou por fé. Não deram resposta. Até porque duvido que haja uma. Afinal de contas, quem tem mais fé? O que acredita piamente na humanidade a ponto de dedicar sua vida a ela ou aquele que espera que a Verdade seja revelada de fora para dentro?

Enfim, postei todo esse arrazoado de coisas e quase ia me esquecendo o que queria pedir neste Natal: que a ironia, como figura de linguagem, mas também as grandes ironias da vida, sejam plenamente compreendidas na internet brasileira em 2012. Sem necessidade de legenda ou tecla SAP.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.