Topo

Leonardo Sakamoto

O que fazer com um jovem que atropela e mata?

Leonardo Sakamoto

23/02/2012 16h18

Publiquei um post lamentando a morte da menina de três anos atropelada por um jet ski no último dia 19 (mais um caso para o rosário de óbitos relacionados ao uso incorreto ou imprudente de veículos) e criticando a escapada do jovem condutor e de seus responsáveis sem prestar socorro à vítima ou dar apoio à sua família.

E, do jeito que está se desenhando a estratégia de defesa, duvido que os responsáveis – pelo rapaz e pela embarcação – respondam criminalmente por isso. Infelizmente, a "certeza de que não dá nada" contribui para que casos assim se repitam.

Mas fiquei surpreso com a quantidade de gente que queria linchar, virtualmente ou fisicamente, o rapaz por conta da tragédia. Como se linchar resolvesse o problema. Tá bom, vai lá e deixa a turba agir. Isso vai impedir que um novo caso ocorra? Nem de perto.

Como ele tem menos de 18 anos e o homicídio não ocorreu com a intenção de matar, dificilmente irá para a Fundação Casa (a antiga Febem) para receber "medidas socioeducativas" (sic) – lembrando também que a Fundação não foi feita para jovens como ele e sim para os que ficaram de fora da festa. Entre os leitores, surgiram pedidos de prisão perpétua, pena de morte – sem contar os fuinhas que sugeriram o "olho por olho, dente por dente", ou seja, que pediram para que o jovem fosse colocado na praia e que um jet ski passasse por cima de sua cabeça.

Sim, eu sei. Este blog é mesmo um pára-raio de gente de dodói.

Junto a isso, lembro que, na semana passada, este blog trouxe uma enquete sobre "temas polêmicos" no Brasil: aborto, trabalho infantil, eutanásia, adoção por pessoas do mesmo sexo, porte de armas, legalização das drogas, punição aos torturadores da ditadura, redução da maioridade penal. Para minha surpresa, a maioria dos milhares de votantes apoiaram posições liberais e progressistas em todas as questões – com exceção de uma. Questionados se "A maioridade penal deve ser reduzida para menos de 18 anos", a maioria respondeu "sim".

Um dos maiores acertos de nosso sistema legal é que, pelo menos em teoria, protegemos os mais jovens – que ainda não completaram um ciclo de desenvolvimento mínimo, seja físico ou intelectual, a fim de poderem compreender as consequências de seus atos.

"Ah, mas algumas pessoas com menos de 18 são pequenos adultos e já fazem de tudo. Se votam e transam, porque não respondem por seus atos?"

(Antes de falar sobre a parte relevante desse comentário de post, gostaria de saber por que meus leitores têm fixação com o sexo dos outros? Por favor, façam mais e sejam felizes #ficadica.)

Completar 18 anos não é um coisa mágica, não significa que as pessoas já estão formadas e prontas para tudo ao apagarem as 18 velinhas. Mas é uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o importante, é que as pessoas se preparam para essa convenção e a sociedade se organiza para essa convenção.

Os jovens deveriam ser instados a participar das discussões políticas sobre sua cidade e seu país para assumirem um papel que um dia será seu. E, eventualmente, a aprenderem um ofício – de acordo com o previsto em lei (nunca abaixo de 14 anos, de 14 a 16 como aprendiz e de 16 a 18 longe de serviços insalubres). Acho bonito que tenhamos orgulho de algumas experiências vencedoras pelas quais passamos pela vida, mas o trabalho infantil não deveria ser hereditário.
Por necessidade individual e incapacidade coletiva de garantir que essa preparação ocorra, muita gente acaba empurrada para abraçar responsabilidades e emularem uma maturidade que elas não têm. Enfim, se tornam adultos sem ter base para isso.

Na prática, o Estado e a sociedade falham retumbantemente em garantir que o Estatuto da Criança e do Adolescente ou mesmo a Constituicão Federal sejam cumpridos. Entregamos muitos deles à sua própria sorte – sejam filhos de famílias pobres – ou ricas. Por que encher o filho de brinquedos e fazer todas as suas vontades para compensar a não-presença por conta da roda viva que vai nos tragando é de uma infelicidade atroz também.

O que fazer com um jovem desses, afinal de contas? Não defenderia que ele fosse para a Fundação Casa, do jeito que ela está, porque ela não reintegra, apenas destrói. Muitos menos que vá para a prisão, por todos os argumentos já expostos. Por outro lado, há a questão da impunidadem que condenamos.

Os adultos que possibilitaram, seja pelo descaso, seja ignorando as regras, que a tragédia acontecesse deveriam ser responsabilizados. Mas e o rapaz?

Ele irá carregar isso a vida inteira – o que não é pouco – e nunca mais será o mesmo. A sociedade está preparada para lidar com ele ou com jovens que cometem crimes, por conta própria ou influência de adultos? Ou melhor, a sociedade quer realmente lidar com eles ou prefere jogá-los para baixo do tapete, escondendo os erros que ela mesma cometeu?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.