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Leonardo Sakamoto

Usina com denúncias de problemas ambientais quer entrar no mercado de carbono

Leonardo Sakamoto

23/03/2012 08h29

Entidades da sociedade civil estão contestando a solicitação do consórcio responsável pela usina hidrelétrica de Santo Antonio, em Rondônia, à Organização das Nações Unidas para poder vender créditos de carbono. Ou seja, o empreendimento se afirma como  limpo a ponto de vender o direito de outros emitirem gás carbônico por ele. A informação é de Verena Glass, da Repórter Brasil. Vale a leitura dos principais trechos:

Aberta à consulta pública até quarta (21), a solicitação de registro da usina Santo Antonio junto à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) foi enfaticamente contestada por organizações ambientais nacionais e internacionais.

De acordo com a solicitação da Santo Antônio Energia, S.A. (SAESA), a usina deverá emitir zero de Gases de Efeito Estufa (GEEs), além de trazer melhorias na qualidade de vida da população local. Isso lhe daria o direito de negociar créditos de carbono equivalentes a 51 milhões de toneladas de emissões CO2/equivalente evitadas (em fevereiro, o preço mínimo de uma tonelada de CO2/equivalente girava em torno de US$ 30 no mercado internacional).

No início deste ano, cenas de casas ribeirinhas arrastadas pela força das águas do rio Madeira, em Rondônia, acompanharam a abertura das comportas da hidrelétrica de Santo Antonio, uma das principais obras do PAC na Amazônia. Os impactos sobre moradores das barrancas do rio foi tão forte, que os Ministérios Públicos Federal e Estadual intervieram e obrigaram o Consórcio Santo Antônio Energia, S.A a se responsabilizar pelos danos e realocação dos dezenas de desabrigados.

Este foi apenas o último capítulo de uma série de problemas ambientais e sociais que vêm se acumulando na conta da usina, que agora quer se beneficiar economicamente com a venda de créditos de carbono através de registro junto ao MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), instrumento criado pelo Protocolo de Kyoto para incentivar projetos ambientalmente responsáveis.

De acordo com o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), Philip Fearnside, do ponto de vista técnico, o pedido da Santo Antônio Energia é um engodo. "Nenhuma das supostas reduções de CO2/equivalentes do projeto é real, e aprová-lo seria um retrocesso nos esforços de combate às mudanças climáticas". Segundo Fearnside, tanto a decomposição da vegetação submersa pelo reservatório quanto a própria pressão das águas ao passarem pelas turbinas, emitirão um grande volume de GEEs.

O pesquisador também explica que os projetos de MDL só poderiam receber o registro se a pretensa diminuição de emissões de GEEs não ocorreria sem os financiamentos deste mecanismo. No caso de Santo Antonio, a usina foi planejada pelo governo brasileiro e financiada por estatais com a total expectativa de lucrar sem os recursos adicionais do MDL. Nenhuma das 51 toneladas de redução de emissões é adicional ao projeto pré-existente, diz Fearnside.

Os opositores ao registro também listaram inúmeros outros impactos da hidrelétrica que, com Jirau – a outra usina sendo construída no rio Madeira –, é considerada responsável pela extinção de espécies endêmicas de peixes, por ameaçar indígenas isolados, e pelo desmatamento recorde no município de Porto Velho em 2010. A presença das usinas também foi relacionada a uma epidemia de violência, prostituição infantil e consumo de drogas, inclusive crack, na região.

"A solicitação do MDL para a usina Santo Antonio é claramente manipulada para rebaixar seus impactos sociais e ambientais. O projeto é não adicional, insustentável e mais propenso a aumentar do que a diminuir a emissão de GEEs. A aprovação deste projeto poderia criar um precedente extremamente perigoso para o MDL", afirmam as entidades. Entre os que contestam a venda de créditos estão o Conselho Indigenista Missionário, a FASE Amazônia, o Forum Mudanças Climáticas e Justiça Social, o Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável, o Instituto Socioambiental, a Terra de Direitos, a International Rivers, entre outros, e por especialistas no tema.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é o principal instrumento de flexibilização das metas de diminuição de emissões de Gases de Efeito Estufa, criados pelo Protocolo de Kyoto, e é aplicável a projetos em países que não têm metas de redução de emissão de gases que causam efeito estufa. Permite que países desenvolvidos financiem projetos de redução ou comprem os volumes de redução de emissões resultantes de iniciativas desenvolvidas em países emergentes. A participação dos países envolvidos com o projeto deve: ser voluntária e aprovada pelos órgãos governamentais competentes de cada país; a atividade do projeto deve resultar em benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo, relacionados com a mitigação das mudanças climáticas; as reduções de emissões de gases devem ser adicionais ao que ocorreria na ausência da atividade do projeto; a atividade do projeto deve contribuir para o desenvolvimento sustentável, segundo as diretrizes do país anfitrião.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.