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Leonardo Sakamoto

Belo Monte: Dai a César o que é de César

Leonardo Sakamoto

16/04/2012 12h39

Este blog conta com a seção "Frases para entender o Brasil": curtas, grossas, maravilhosamente elucidativas do que faz o Brasil um brasil". E ela não pára de crescer, pois matéria-prima tem aos montes.

Tema: Evangelho

"Eu não concordo que as duas obras estejam em ritmo diferente. Cada uma está em seu ritmo adequado."

João Pimentel, diretor de relações institucionais da Norte Energia, responsável pela usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

A declaração responde as críticas de que, enquanto as obras para erguer a jóia da coroa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vão de vento em popa, os investimentos em saneamento básico, saúde, educação e urbanismo em Altamira, cidade-base do empreendimento, estão deixando a desejar. Ele defende que, na verdade, esses são problemas históricos e que há uma grande expectativas quanto à presença da empresa: "a Norte Energia ficou sendo esperada como se fosse um messias, que salvaria a cidade dos anos de abandono".

É fascinante como um departamento de comunicação empresarial ouve uma crítica como um "truco" e, mesmo sem ter um mísero picafumo na mão, grita "seis" de volta. Ou, dizendo de outra forma, adota o ataque como a melhor defesa.

Claro que Altamira tinha problemas. Mas ele desconsidera que a obra é a principal responsável por ter aumentado, em poucos meses, a população local em 45% (de 100 mil para 145 mil) – de acordo com boa reportagem do jornal Valor Econômico desta segunda (16), de onde saíram as declarações acima. Afluxo de gente que ocorreu sem que a cidade tenha sido adequada para tanto. Estive lá para fazer um relatório sobre a situação da violência na Terra do Meio e pude constatar que a cidade está inchando sem ter como.

Se a Norte Energia não imaginava tal impacto, de duas uma: ou seu planejamento é ruim – o que preocupa, pois se isso aconteceu com a cidade, imagine com todo o ecossistema que sofrerá impactos da usina – ou eles já sabiam e não se importaram com "danos colaterais".

A frase me incomoda. Dá a entender que a obra da usina tem que ir em um ritmo rápido, pois atenderia aos interesses econômicos e políticos de gente grande. Mas as obras para garantir que o impacto da usina não dilapidem ainda mais o quinhão de Justiça e de dignidade que sobrou para a população pobre de lá podem ir em uma toada mais tranquila. Em suma, dai a César o que é de César e aos do andar de baixo o que sobrar, em uma releitura livre do evangelho de Mateus capítulo 22, versículo 21.

Afinal de contas, esse pessoal aguentou uma vida difícil até aqui, não é mesmo? Por que não podem ficar quietos e suportar um peso a mais? O progresso não é feito sem sacrifícios, não é mesmo? E o bolo? Não tem que crescer para depois ser dividido? Eles são patriotas ou entreguistas?

Enfim, seja para Altamira ou para o Brasil: ame-os ou deixe-os.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.