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Leonardo Sakamoto

Caminhoneiros são os trabalhadores que mais morrem no Brasil

Leonardo Sakamoto

28/04/2012 10h26

O Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes do Trabalho é celebrado neste sábado (28). Nada melhor, portanto, do que lembrar daqueles que arriscam suas vidas, muitas vezes sem a proteção garantida por um contrato decente de trabalho, para entregar os produtos que consumimos diariamente e fazer a economia girar. De acordo com as últimas informações disponíveis do Ministério da Previdência Social, ou seja, o setor de transporte rodoviário de cargas ocupa o primeiro lugar em número de acidentes de trabalho fatais. Das 2.712 mortes que ocorreram em 2010, 260 foram no setor.

Antes de mais nada, uma contextualização: As mortes por doenças e por acidentes relacionados ao trabalho no mundo cresceram de 2,31 milhões (2003) para 2,34 milhões (2008). Em média, 6,3 mil pessoas morreram diariamente por conta de seu trabalho nesse período. Os dados fazem parte do relatório "Tendências Mundiais e Desafios da Saúde e Segurança Ocupacionais", da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O número de acidentes fatais caiu (de 358 mil para 321 mil), mas o número de mortes por doenças vinculadas ao exercício de atividade econômica saltou de 1,95 milhão, em 2003, para 2,02 milhões, em 2008. Considerando os tipos de enfermidades, temos em primeiro lugar o câncer (29%), seguido por doenças infecciosas (25%) e doenças circulatórias (21%).

O número de acidentes não-fatais que causaram afastamento de quatro ou mais dias atingiu 317 milhões em 2008, o que representa uma média de cerca de 850 mil lesões diárias que exigem esse tipo de afastamento. "Na maioria dos países, vastos números de acidentes, fatalidades e doenças relacionadas ao local de trabalho não são reportados e nem registrados. Existem provisões em nível internacional e em âmbito nacional para registrar e notificar acidentes e doenças: contudo, a subnotificação persiste como prática frequente em muitos países do mundo", destaca o documento.

Nos últimos anos, com o expansão de canteiros de obras pelo país, a questão do descaso com a segurança no trabalho voltou aos holofotes nacionais. Em agosto do ano passado, por exemplo, houve comoção pública quando nove operários morreram em um canteiro de obras em Salvador. Eles estavam em um elevador que despencou de uma altura de 65 metros.

Aa informações sobre as mortes de caminhoneiros é de Bianca Pyl, da Repórter Brasil:

Em relação a acidentes que tem como conseqüência incapacidade permanente, ou seja, seqüelas que impedem a pessoa de voltar ao trabalho, o setor de transporte rodoviário de cargas está em segundo lugar com 412, do total de 14.097. O primeiro lugar fica para a construção de edifícios, com 454 acidentes que causam incapacidade permanente.

Em 2010 foram registrados 701.496 acidentes de trabalho, sendo 16.910 só no setor de transporte de cargas. As atividades econômicas de serviços, que englobam o setor de saúde, somam 48 mil registros de acidentes. Contudo, os acidentes neste setor são menos graves do que os envolvendo caminhoneiros e trabalhadores da construção civil.

O acidente que matou 33 trabalhadores canavieiros da Central Energética Vicente e mais três motoristas sem registro da empresa Milton Turismo, em dezembro do ano passado, mostra bem o problema enfrentando pelos trabalhadores do setor de transporte. As Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego da Bahia e de Pernambuco finalizaram nesta semana o relatório sobre o acidente no início desta semana. Os auditores fiscais que investigaram o caso concluíram que o motorista do caminhão Márcio Clenio, que colidiu com o ônibus que transportava os trabalhadores, dirigiu por 14 horas seguidas, jornada que terminou com o acidente. Os motoristas do ônibus, em processo de revezamento, trabalharam por mais de 30 horas sem que houvesse real descanso.



De acordo com relatório da Superintendência baiana este tipo de jornada que tem sido encontrada com grande freqüência no transporte de carga interestadual "principalmente quando envolve as regiões Nordeste e Sul-Sudeste, como tem sido verificado em diversas fiscalizações do Grupo Especial de Fiscalização do Transporte de Carga, do Ministério do Trabalho e Emprego". O motorista do caminhão foi internado.

Para a fiscalização as causas do acidente estão relacionadas com excesso de jornada de trabalho e falta regulamentação para limite de jornada de trabalho de motoristas de transporte de carga, empregados ou não, e para intervalo mínimo interjornadas para condução de veículos. A falta de registro legal do vínculo de emprego geralmente contribui para que o motorista trabalhe de modo mais intenso e extenso para garantir seu sustento e dos seus familiares, apontam os auditores fiscais.

A viúva de um dos motoristas de ônibus mortos no acidente, disse à Fiscalização do Trabalho que seu marido estava com problemas de saúde, mas que não podia se tratar, uma vez que dependiam daquela renda. O motorista não tinha Carteira de Trabalho assinada e não pode se afastar das atividades, pois não receberia o auxílio-doença do INSS.

 Fiscalizações realizadas nas rodovias de Goiás, Mato Grosso e São Paulo pela Polícia Rodoviária Federal, pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério Público do Trabalho constataram jornadas exaustivas, não recebimento de horas extras, desrespeito ao descanso semanal remunerado, pagamento de comissões que incentivam os excessos e uso de medicamentos para inibir o sono. 



Segundo Jacquelinne Carrijo, auditora fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás, as longas jornadas de trabalho se destacaram entre as irregularidades verificadas. Ela aponta os contratos de trabalho como estimuladores de excessos: de jornada, de velocidade e de cargas. "Tudo isso para que haja a entrega do produto em prazos muito curtos. E como esses trabalhadores ganham por produção, quanto mais trabalharem, mais ganharão."

A Organização Internacional do Trabalho aproveita o Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes do Trabalho para promover também o Dia Mundial da Segurança e Saúde do Trabalho. No dia 27, o governo federal lançou o Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, organizando as políticas de vários ministérios voltadas à prevenção.

Em tempo: Um relatório de 2010 da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo apontou que 52 dos 278 mortos em acidentes de trânsito envolvendo motocicletas e cuja profissão foi informada eram motofretistas. Se forem identificadas as profissões de todos os mortos em acidentes de trânsito, entregadores que usam motocicletas em cidades podem ser os campeões de óbitos. Mas faltam dados oficiais sobre o assunto por conta de subnotificação e não identificação de profissão.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.