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Leonardo Sakamoto

A solução para a Amazônia é reinventar a roda

Leonardo Sakamoto

30/04/2012 12h55

O Incra e a Receita Federal vão revisar todos os registros de terra do país para produzir um cadastro nacional de imóveis rurais. Com isso, pretende combater a grilagem – que é a mãe da exploração ilegal dos recursos naturais e da violência contra populações tradicionais e trabalhadores rurais. Conforme consta de matéria de Aguirre Talento, na Folha de S. Paulo de hoje, as duas instituições vão cruzar suas bases de dados, pois é comum que alguém declare menos terra à Receita e mais ao Incra.

O problema é que o mais tonto dos passarinhos da Amazônia sabe que a discrepância existe. Alguns municípios do Pará precisariam ter vários andares para contemplar todos os registros que estão em seus cartórios. São Félix do Xingu, um dos maiores do Brasil, possui 8,5 milhões de hectares de área real, mas 28,5 milhões registrados em cartório. Já Moju tem 1 milhão de hectares, mas totalizando os registros em cartório, chega-se a números como 5, 8 ou 12 milhões.

Quase não há imóveis georreferenciados, apontando – com precisão – os seus limites. E o Incra, que diz não ter recursos para tanto, espera resolver possíveis conflitos de dados com… inspeções.

Ou seja, descobre – dessa forma – que acoplando dois objetos circulares a um eixo, pode-se alcançar velocidade e facilidade de deslocamento nunca antes vistos em termos de mobilidade humana.

Considerando a esbórnia que é a situação fundiária na Amazônia e que o governo federal não vai contratar mais servidores públicos (seriam necessários outros milhares de técnicos formados para tal empreita), imaginem que a boa vontade aqui expressada não desaguará em muitos resultados práticos.

O drama é que quem está no comando do governo diz que não precisa de mais gente para o serviço, que está tudo indo bem (já quem está na base, na linha de frente, pede ajuda a todo o momento). E quem está fora afirma que o governo não pode mais contratar para não "inchar" o Estado. Se a situação fundiária fosse um videogame controlado de forma remota por computador, vá lá. Mas não será possível resolver tudo isso, no estágio em que as coisas estão, se não investir em pessoal para fiscalização e em georreferenciamento de propriedades.

Enfim, resolver custa caro, vai deixar muita gente poderosa insatisfeita e há prioridades maiores como deixar o Código Florestal virar limo. Então, procrastinadores do mundo, uni-vos!

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.