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Leonardo Sakamoto

Marcha da Maconha pede outra política para drogas no país

Leonardo Sakamoto

19/05/2012 18h05

A Marcha da Maconha foi realizada neste sábado (19), em São Paulo, partindo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), seguindo pela avenida Paulista, ruas Augusta e da Consolação até a praça da República.

Para quem não se lembra, a proibição da Marcha da Maconha pela Justiça, a pedido do Ministério Público de São Paulo, levou a cenas de selvageria por parte da Polícia Militar, que usou bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha contra manifestantes e jornalistas na capital paulista no dia 21 de maio de 2011.  Após manifestações exigindo liberdade de expressão em todo o país, a manifestação foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, em 15 de junho do ano passado, por oito votos a favor e nenhum contrário.

A verdade é que temos, por aqui, um liberalismo de brincadeirinha, sem a parte boa das liberdades individuais. É dever possibilitar mercados livres, mas a pessoa não conta com o mesmo benefício. O Estado é xingado se meter o bedelho nos negócios de particulares, mas elogiado quando diz com quem me deito, o que consumo e o fim que dou ao meu corpo.

Desta vez, a marcha trouxe um manifesto pela revisão da (falida) política de drogas adotada no Brasil. 

Publico o texto na íntegra abaixo, com imagens que trouxe da manifestação:

"O debate está em jornais, revistas, redes de televisão. Tomou  ruas,  internet, livros, personalidades, políticos e campanhas eleitorais. Ganhou espaço e consistência que mostram cada vez mais a falência da política proibicionista em termos humanos, de segurança, de direitos, liberdades e saúde pública. O Brasil se tornou um dos mais sangrentos campos de batalha da guerra às drogas, um sistema racista, antigo e ineficiente para lidar como uma questão complexa e urgente. Uma lei que redunda em morte e gastos públicos elevados e de nenhuma forma ataca o consumo entre jovens e adultos, muito menos o abuso: apenas desloca-o para uma esfera ainda mais intocável.

O consumo de substâncias alteradoras de consciência é milenar, está imbricado com a própria evolução da humanidade. A tentativa recente de coerção a este hábito, às vezes nocivo à saúde  às vezes não, não só é comprovademente um fracasso como traz em si uma série de efeitos nefastos e que devem preocupar a qualquer um que deseja um mundo menos injusto.

Da mesma forma que uma caneta pode escrever lindos poemas ou perfurar uma jugular, os efeitos das diferentes drogas, com suas diferentes culturas de uso, dependem de seu uso. Assim, ao mesmo tempo em que não cabe demonizá-las a priori, como se fossem dotadas de propriedades metafísicas, tampouco é sensato endeusá-las, acreditar que elas por si sejam transformadoras, revolucionárias ou coisa que o valha. Não defendemos que o uso de drogas traga um mundo melhor, mas não deixamos de ver o evidente: a proibição do consumo de algumas delas torna o mundo muito pior.

Você se importa com o encarceramento em massa? O Brasil já é o terceiro país que mais prende seus cidadãos no mundo, atrás apenas de EUA e China, e dos cerca de 500 mil detidos no país praticamente um quarto deles está nesta situação desumana por conta de crimes relacionados a drogas.

Você se importa com o racismo e a criminalização da pobreza?  A origem da proibição da maconha, e de outras drogas, está altamente conectada com discursos e práticas racistas e xenófobas, em todo o mundo. No Brasil, a primeira lei que criminalizou a maconha tinha como alvo a população negra do Rio de Janeiro, e hoje a maior parte dos afetados pela guerra às drogas tem pele escura e baixas condições econômicas. Enquanto ricos e classe média são identificados como usuários, o pobre é sempre o traficante, com a guerra às drogas servindo como instrumento estatal de segregação e controle social de populações desfavorecidas.

Você se importa com o sofrimento humano e com o avanço da ciência? A proibição das drogas não só impede tratamento efetivo, de qualidade e público aos que fazem uso abusivo como freia também o desenvolvimento da ciência, que pode ter muitos ganhos com as pesquisas sobre psicotrópicos em geral. Já foi provado cientificamente o valor medicinal da cannabis – e de outras drogas transformadas em "tabu" – no tratamento de diversas enfermidades que sofremos, aliviando seus sintomas e preparando a cura: câncer, AIDS, Mal de Parkinson, depressão, ansiedade, enxaqueca e a lista não para de crescer.

Você se importa com informação de qualidade e prevenção ao uso abusivo? Você se importa com direitos civis e liberdades individuais? Você se importa com a situação da mulher e o encarceramento feminino no Brasil?  Você se importa com a corrupção? Você se importa com guerras e conflitos armados ao redor do mundo? Você se importa com a colonização da política e da vida empreendida pelas indústrias armamentista e farmacêutica?

Chegou a hora de ver que isso não interessa só a meia dúzia de maconheiros, chegou a hora de parar de estigmatizar este debate. Chegou a hora de encarar os fatos, olhar nos olhos da realidade e ver que como está não pode ficar. A luta contra o proibicionismo quer colocar seus ombros ao lado de todos que lutam por outro mundo, assim como convidar aqueles e aquelas que dizem um basta à injustiça e à opressão a participar de nossa caminhada. Afinal, quando uma luta avança, nenhuma outra retrocede.

Basta de racismo, moralismo, violência, corrupção e proibição. Queremos o direito à saúde, à informação, ao próprio corpo, à autonomia, à liberdade: é tempo de uma nova política de drogas para o Brasil.

Marcha da Maconha São Paulo"

(Subscrevem também outras entidades)

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.