Topo

Leonardo Sakamoto

O que está por trás do ovo nosso de cada dia

Leonardo Sakamoto

31/05/2012 15h32

Você sabe o que pode acontecer com os pintinhos machos que nascem em grandes granjas voltadas à produção de ovos, uma vez que – até que se prove o contrário – eles não põem ovos? A pergunta é pertinente, afinal, se nenhuma manipulação ambiental ou genética for feita, cerca de 50% deles deveria nascer macho.

Um vídeo postado, tempos atrás, por um grupo de defesa dos animais, a Mercy of Animals, mostra como centenas de milhares de pintinhos são mortos em uma das maiores granjas do mundo, a Hy-Line International, localizada no Estado norte-americano de Iowa. Está em inglês, mas o que importa são as imagens. Uma amiga, que estudou zootecnia, me explicou que essa forma de "descarte" – no que pese ser medonha – é comum aqui no Brasil. Em muitos casos, criar um sistema para vender o galinho aumentaria o custo de produção dos ovos. Pois se a empresa quer lucro, nós queremos produtos baratos.

Outras possíveis formas de desova são lançar o pinto em água eletrificada ou jogá-lo em uma câmara de vácuo e retirar o ar. Na prática, o bichinho explode. O que sobra muitas vezes é usado como ração para as próprias galinhas. Se fosse vaca, ficaria louca.

Não estou dando lição de moral e não tenho a menor intenção de ensinar nada com isso. Apenas lembrar que a gente é o que a gente come.

Além de moer pinto, frigoríficos de aves, por vezes, moem gente. O que – sem desconsiderar outros seres vivos – é muito, mas muito mais grave. Quem trabalha em um frigorífico se depara com uma série de riscos que a maior parte das pessoas sequer imagina. E por mais que a exposição a instrumentos cortantes seja o óbvio a se pensar, a realização de movimentos repetitivos – que podem gerar graves lesões e doenças, inutilizando o trabalhador – e a pressão psicológica para dar conta do intenso ritmo de produção são os principais problemas. Há 11 anos, desossava-se três coxas e meia por minutos. Hoje, há quem processo sete. Em algumas cidades no Sul do Brasil, com indústrias de processamento de aves, em que parte dos trabalhadores está ficando inutilizada.

Pessoas adoecem e passam a ser mantidas pelo INSS. Às vezes, não conseguem retornar para a atividade produtiva porque os danos em seus corpos são permanentes. Para substituir quem ficou com defeito, as empresas vão contratando outras pessoas. E o ônus fica com o Estado, ou seja, com todos nós. Já se criou um círculo que, para desfazer, não é tão rápido e fácil. Para resolver, as empresas têm que reprojetar os seus processos industriais.

Ir mais devagar, para que as pessoas possam ir mais longe.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.