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Leonardo Sakamoto

Não adianta ficar incomodado com Django e Lincoln, mas ignorar a realidade

Leonardo Sakamoto

23/01/2013 15h02

Sindicalistas percorrendo corredores de Brasília defenderam a MRV Engenharia por conta da sua reinclusão na "lista suja" do trabalho escravo. Uma vez que novos contratos de financiamento públicos estão impossibilitados enquanto ela estiver relacionada, a empresa enfrenta dificuldades de lançar obras.

O que é mais importante: novos empregos gerados ou a existência de escravos sob responsabilidade da empresa? Apesar do que possa parecer, não é uma resposta difícil. Mesmo que a quantidade de empregos gerados, muitos deles de boa qualidade pela MRV, seja muito maior do que a de escravos encontrados.

Afinal, a existência de trabalho escravo direto ou indireto é um termômetro do comportamento adotado por uma corporação para atingir seus objetivos. E a resposta que damos a ele é um bom indicador sobre o patamar de decência da sociedade em que essa corporação está inserida.

Trabalho escravo contemporâneo não é uma simples falha de operação ou resquício de práticas sob responsabilidade de mentes tacanhas que sobreviveram temporariamente ao capitalismo. Mas pode ter uma utilidade para o desenvolvimento de determinados empreendimentos, ajudando na competitividade e fazendo parte de uma política de redução de custos atrelada à redução de direitos via terceirização ilegal. Que tem também como consequência a concorrência desleal e o dumping social.

Ou seja, é um problema estrutural e como tal também deve ser tratado. Não adianta ir ver Django e Lincoln no cinema, achar um absurdo e depois pensar que nossas ações não ajudam a manter vivo o trabalho escravo, mesmo que contemporâneo.

Trabalho escravo pode ser ponta de um iceberg de outros problemas trabalhistas. E, ao mesmo tempo, ponta de lança para a efetivação de direitos dos demais empregados de uma empresa. Tem sido assim desde 1995, quando FHC começou o combate sistemático a esse crime, passando por 2003, quando Lula o aprimorou.

Qualquer empresa tem o direito de se defender na Justiça se achar que foi injustiçada. Vivemos em um Estado democrático, apesar de muitos terem saudade do passado. Da mesma forma, o Ministério do Trabalho e Emprego tem o direito de apresentar como defesa uma pilha de relatórios, depoimentos, fotos e vídeos que servem de provas das bizarras condições a que estavam submetidos mais de 44 mil pessoas libertadas nos últimos 18 anos. E direito de mostrar que as empresas tiveram direito à ampla defesa.

Mas ao se pronunciarem por empresas que foram envolvidas pelo governo federal nesse crime sem discutir a situação dos trabalhadores que tiveram sua dignidade aviltada, alguns representantes dos trabalhadores me fazem refletir sobre sua real utilidade.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.