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Leonardo Sakamoto

À empresa que me engana: perdoa-me por me traíres!

Leonardo Sakamoto

27/01/2013 17h23

Existe um tipo de propaganda que simplesmente adoro. É aquela que explica ao consumidor que ele deve agradecer o favor que lojas, bancos e concessionárias de serviços públicos lhe fazem . Uma espécie de mensagem que produziria em Nelson Rodrigues uma reação honesta como "Perdoa-me! Perdoa-me por me traíres".

Vocês perceberam que toda a vez que o setor empresarial vai tungar o nosso bolso com um aumento bizarro acima da inflação ou quer esconder algo (normalmente algum defeito de fabricação que deixaram passar) chovem anúncios nos veículos de comunicação mostrando como a vida é melhor com eles?

Essa explosão de mídia acontece para limpar a barra de montadoras que são obrigadas a fazer recall porque o seu produto decepa dedos ou veio com uma pecinha torta que pode, sei lá, deixar o freio sem função.

Indústrias mineradoras e de pesticidas que acreditam que bebês acéfalos, cânceres de pele e peixes mortos são apenas um detalhe.

Empresas envolvidas em investigações por corrupção ativa – ou a culpa é só do lado dos políticos?

Construtoras que, além de cimento e aço, usaram sangue e suor de trabalhadores excluídos de sua dignidade.

Frigoríficos processados por fomentar a transformação da Amazônia em hambúrguer.

Ou, ainda, concessionárias de rodovias, que mostram na TV como é legal pagar um aumento no pedágio.

Nesse comerciais, o céu é mais azul, os campos são mais verdes e até veadinhos saltitantes pastam entre dentes de leão. Famílias sorridentes pipocam aqui e ali, com escovas impecáveis e dentes brancos. Não há lixo ou poluição, o sofrimento não tem vez e tudo é acessível, como se dinheiro desse em árvore.

E a gente vai engolindo tudo. Como em uma novela. Cujo final feliz é deles, não nosso.

PS: Isso que dá trabalhar de frente para a TV.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.