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Leonardo Sakamoto

Vamos trocar o nome da Avenida dos Bandeirantes para Vladimir Herzog?

Leonardo Sakamoto

08/02/2013 22h11

No Arquivo Histórico de São Paulo, há uma página sobre a história das ruas da cidade – velha conhecida da molecada que faz trabalhos de escola. O serviço é interessantíssimo, uma vez que um povo que não conhece o seu passado dificilmente tem bases para construir o seu futuro. Ok, a frase soou brega, mas é verdadeira.

Ao procurar o significado da Avenida dos Bandeirantes, importante via da capital, eis a resposta:   

"Essa denominação lembra, de maneira geral, todos aqueles ousados e heróicos filhos de São Paulo, que realizaram uma das maiores empresas de que se tem memória. Seduzidos pelas riquezas famosas dos sertões, e encorajados pelas condições excepcionais da Vila de São Paulo, atiravam-se em grupos, a todos os sofrimentos para a conquista da fortuna que, aliás quase sempre lhes foi triste e tendo de sair em fulga. A frequência de partidas de Bandeiras para o sertão, criou, entre os paulistas, uma mentalidade diversa da de outros pontos do País, tornaram-se rijos de corpo e espírito, valentes até o sacrifício, ousados e valorosos. As suas tropas cruzaram o território brasileiro em todas as direções, semearam vilas e aldeias por toda a parte e batizaram as nossas fronteiras com terras de Castela. As maiores figuras de nosso passado, aquelas a que deve o Brasil a grandeza de seu território e a sua integridade, ergueram-se desses gigantes e desses sertões tremendamente inóspitos. Se aos portugueses devemos o conhecimento da nossa costa marítima, devemos aos bandeirantes o conhecimento dos formidáveis sertões interiores. Grande parte da epopéia realizada por eles, está escrita na obra monumental – História Geral das Bandeiras – de Afonso de Taunay. São Paulo deve orgulhar-se de ter sido no passado, o berço desses homens de ferro e o centro irradiador desses civilizadores insuperáveis."

Pelamordejesusmariajosé! Eu acharia muito mais saudável meus filhos acessando o PornTube do que vendo essa coisa! Qualquer historiador que tenha cabulado as aulas na faculdade para comer uma calabresa no álcool do Rei das Batidas diria que as ideias do texto, no mínimo, precisavam passar por uma revisão.

O "paulistanismo", o nacionalismo paulista, funciona como uma espécie de seita radical para os seus adeptos. Mesmo as pessoas mais calmas viram feras, libertando uma fúria bandeirante que parecia, historicamente, reprimida dentro do peito quando se vêem diante de críticas à ideia de destruir para criar. 

Bandeirante. O pessoal que virou nome de avenida, escola, praça, escultura, Palácio de Governo, estrada. Nossos heróis são Domingos Jorge Velho, Antônio Raposo Tavares, Fernão Dias Paes Leme, Manuel Preto, Bartolomeu Bueno, que roubaram, mataram, escravizaram e ampliaram nossas fronteiras como consequência da ganância e não guiados por algum espírito mais alto. O fato da elite de São Paulo tê-los escolhido como heróis em determinado momento diz muito sobre o espírito do estado. E o fato de muita gente continuar defendendo que seus métodos foram necessários para que o Brasil fosse "grande" diz muito sobre o que somos.

Para parte da população paulista, por exemplo, a Cracolândia e o Pinheirinho eram um "mal a ser extirpado" em nome do progresso. E ir para a Amazônia e colocar abaixo floresta, trabalhadores, índios, o que estiver na frente do "destino glorioso", não é crime, mas cumprimento de uma profecia.

Na minha opinião, um povo não precisa de heróis (qualquer família que sobrevive com um salário mínimo poderia se candidatar ao Panteão da Pátria). Mas se quiserem (forçadamente) escolher, poderíamos começar por aqueles que são bons exemplos a seguir. Alguns escritores e lideranças sociais cumpririam esse papel. Que tal Vladimir Herzog, morto pela ditadura e que virou símbolo da luta contra a Gloriosa?

Sei que o novo secretário municipal da Cultura de São Paulo, Juca Ferreira, tem desafios maiores pela frente. Mas o assunto diz respeito à construção e reconstrução de nossa identidade e os símbolos que foram escolhidos ao longo do tempo para tanto e foram reafirmados por outras gestões municipais. Portanto, merece atenção se sobrar tempo.

Por fim, agradeço ao leitor Marcio Antonio Tralci Filho por ter descoberto e colhido a abobrinha e trazido ao nosso alcance. 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.