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Leonardo Sakamoto

STJ decide que julgamento da Chacina de Unaí ficará em Belo Horizonte

Leonardo Sakamoto

11/04/2013 07h40

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta quarta (10), que a "Chachina de Unaí" será julgada mesmo em Belo Horizonte. O ministro relator Jorge Mussi julgou procedente uma reclamação do Ministério Público Federal e considerou que a criação de uma Vara Federal em Unaí, local dos assassinatos – usada como justificativa para transferência do julgamento pela juíza substituta da 9ª Vara da Justiça Federal Raquel Vasconcelos Alves de Lima – não importa para o caso. Segundo ele, a criação de nova vara com jurisdição sobre o município onde se deu a infração penal não implica em incompetência do juízo em que se iniciou a ação penal. De acordo com o STJ, a decisão da juíza de mudar o caso para Unaí foi contra as decisões anteriores já tomadas pelo próprio tribunal, que havia confirmado o caso para Belo Horizonte, e cassou sua decisão.

Em janeiro, a juíza havia se declarado incompetente para julgar os acusados da "Chacina de Unaí". Ordenou que processo deveria ser remetido para a Vara Federal do município onde ocorreu o crime – o que, de acordo com organizações de direitos humanos que acompanham o caso, poderia retardar ainda mais o processo e influenciar no resultado do julgamento dado o poder econômico e político dos envolvidos. A chacina completou nove anos de impunidade.

Em 28 de janeiro de 2004, quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados enquanto realizavam uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora. O caso ganhou repercussão na mídia nacional e internacional.

A Polícia Federal afirmou ter desvendado o crime seis meses depois, com o indiciamento de envolvidos, que incluíram os irmãos Norberto e Antério Mânica, família que é uma das maiores produtoras de feijão do país. O inquérito entregue à Justiça afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores. Nelson José da Silva seria o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas. Ambos chegaram a ser presos, mas hoje respondem ao processo em liberdade. Após isso, Antério foi eleito (em 2004, com com 72,37% dos votos válidos pelo PSDB) e reeleito (2008) prefeito de Unaí, ganhando e mantendo fórum privilegiado até este ano. Até o final do mandato, era o único cujo julgamento estava previsto para ocorrer no Tribunal Regional Federal, por contar com foro privilegiado.

Também foram envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como "Chico Pinheiro", que faleceu este ano, aguardando o julgamento em liberdade) e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Três dos acusados estão presos e um foi solto, pois o crime pelo qual foi denunciado já prescreveu dado o atraso do julgamento. Os outros, estão em liberdade beneficiados por habeas corpus.

De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, os recursos dos réus foram apreciados e negados – inclusive em instâncias superiores. Ou seja, não existia mais razão para protelar os julgamentos. A Corregedoria Nacional de Justiça, acionada pelo Ministério Público Federal, havia informado que a juíza Raquel marcaria o início do julgamento para o mês de fevereiro.

A votação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001 (que prevê o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou ao uso social urbano) na Câmara dos Deputados, em 2004, ocorreu sob a forte comoção pública gerada pelo assassinato dos quatro funcionários do MTE. Isso pode ter influenciado na decisão dos deputados, que aprovaram o texto com algumas modificações. Há parlamentares que eram contrários à aprovação da PEC, mas na votação em plenário, feita por voto aberto, posicionaram-se a favor, provavelmente para não terem sua imagem vinculada à manutenção dessa forma de exploração do trabalho em um momento delicado como aquele, em que a Chacina ainda aparecia na mídia internacional. Passada a comosção, a PEC entrou na geladeira da Câmara, sendo aprovada – após muita pressão popular – em maio do ano passado. Agora, aguarda apreciação do Senado.

Em 2009, o 28 de janeiro se tornou oficialmente o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, aprovado no Congresso Nacional por proposta do então senador José Nery. Durante uma semana, eventos sobre o tema são realizados em todo o país com o objetivo de que a Chacina de Unaí não fique impune e para sensibilizar a população e aumentar a pressão social para erradicar a escravidão contemporânea. Neste ano, uma reunião da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) ocorreu no Auditório da Procuradoria da República em Minas Gerais seguido de um Ato Público em frente ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região na capital mineira. Ambos os eventos criticaram veementemente a decisão da juíza.

Breve comentário: Não é incompreensível a demora da Justiça porque infelizmente não é. A verdade é que a velocidade de funcionamento de grande parte do sistema judiciário normalmente depende de quem é o réu/acusador. Se for rico, será rápido (se ele quiser que seja rápido) ou lento (se quiser que seja lento) e será julgado conforme suas conveniências, antes ou depois dos demais acusados (se assim for melhor para sua defesa). Se for pobre, a Justiça faz o caminho inverso.

Neste caso, os acusados de serem os mandantes quiseram ser julgados antes dos demais. Dessa forma o que aparecesse nos outros júris não poderia ser usados contra eles. Não conseguiram. A remessa do processo à Unaí, onde a população elegeu um dos acusados de ser mandante prefeito duas vezes, foi visto como uma vitória parcial dos envolvidos.

Em novembro de 2008, Antério Mânica foi um condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, realizada no Palácio das Artes e "aplaudida por mais de mil convidados", como explica o site da instituição. O prêmio, que foi considerado por muitos como um desagravo, gerou indignação e mal-estar em parte da sociedade civil e dos deputados mineiros.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.