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Leonardo Sakamoto

Neste Dia das Mães, que tal esterilizar mães de bandidos?

Leonardo Sakamoto

12/05/2013 09h25

Passei, nesta manhã, na frente de um Centro de Detenção Provisória aqui na capital paulista e me lembrei de um texto que já escrevi e pelo qual fui devidamente criticado. Não vou dizer que fui mal compreendido porque seria um misto de arrogância e inocência. Sim, boa parte dos leitores que xingaram a minha progenitora entenderam bem o que quis dizer – o que assusta mais ainda. Mas gostaria de resgatar o tema neste Dia das Mães como uma dedicatória ao nobre senhor – provavelmente pertencente a algum movimento de limpeza social que ronda São Paulo – que, num comentário em fúria, defendeu que "mãe de bandido deveria ser esterilizada".

Por trás de quem mata e quem morre, há outras pessoas que sofrem junto. Quando um crime acontece, lembramos primeiro – e com toda a razão – da dor de quem perdeu o ente querido nas mãos de uma ação violenta. Mas há duas famílias envolvidas, sendo que a do outro lado, por ter "gerado a causa do sofrimento" raramente é lembrada. Pelo contrário, torna-se co-responsável. E por mais que nenhum juiz declare pena para a mãe do meliante, ela vai para o inferno com ele.

Muitos leitores dizem que a culpa também foi delas por terem criado seus homens assim. Bem, talvez. Talvez não. Talvez de nossa ação e nossa inação também. Quem sabe?

Quando alguém é preso, geralmente não segue para a cadeia sozinho pagar pelo crime que cometeu. Vão também mães, irmãs, esposas, filhas, avós que, religiosamente, fazem filas nas portas dos centros de detenção e presídios, desde as primeiras horas nos dias de visita.

Um lanche, um bolo de fubá, revistas, pilhas para o radinho, uma muda de roupa, pacotes de cigarros – que servem de moeda e diversão. No final, a pena de muitas dessas mulheres termina no dia em que seus filhos, maridos, pais, irmãos deixam a cadeia. Quando deixam. Quando não as deixam. Quando conseguem sair, enfim, sem carregar a cadeia em suas almas.

É triste que as mesmas filas que se formam nas portas de um depósito masculino de gente não se formem do lado de fora dos presídios femininos. A quantidade de pais, irmãos, maridos, filhos, avôs que vão visitar mulheres encarceradas são, proporcionalmente, em número vergonhosamente menor do que a quantidade de visitantes mulheres de homens encarcerados.

Nesse meio tempo, o telefone encurta a distância, mas nem sempre. E o peito começa a apertar quando o número de ligações vai escasseando, a freqüência diminuindo. Quando a saudade falada já não convence. O coração fica mirradinho, mirradinho. O que será aconteceu que ninguém veio me visitar? Incerteza, às vezes, é pior do que a morte, doença ruim que não é causada pelo ar ou água e sim pela distância. Não raro os maridos encontram outras mulheres, filhos fogem de vergonha ou de uma vida ocupada sem tempo para nada. E muitas acabam abandonadas pelos homens de suas vidas.

O padrão em nossa sociedade é que mulheres sejam educadas para acompanhar e servir, entendendo que precisam ser repostas, quando necessário. E homens para serem idiotas. Da ausência em um dia de visitas na cadeia à solidão em uma casa nos Jardins ou no Cosme Velho.

É doloroso viver com uma parte de você em outro lugar. Uma perda que não se completa, sobre a qual não se chora o luto, mas se sente a dor da distância e da saudade.

Enfim, tudo isso para dizer que mães não deveriam ser abandonadas à sua própria sorte. E senhoras não deveriam tomar chuva e passar frio para visitar seus filhos. Sei que seus rebentos são culpados de algo. Mas, eu que não creio em culpa, sinto uma áspera tristeza ao ver uma enorme fila de cabelos brancos na frente de uma cadeia em um final de semana.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.