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Leonardo Sakamoto

E quando os mais velhos resolverem entrar nas manifestações?

Leonardo Sakamoto

24/06/2013 20h24

Minha mãe, que entendia de computador tanto quanto eu de língua húngara, disse que agora está navegando na internet e – medo – lendo meu blog. Um milhão de comentários de leitores fora da casinha não causam nem um décimo do constrangimento de meio comentário de mãe.

Porém, mais assustador que saber que nossa própria mãe lê as groselhas que a gente escreve (pois não importa se você tem um doutorado, vai ser sempre o sujeito que sai desagasalhado na rua), é imaginar o que esse pessoal que já era adulto durante a Gloriosa e que está sendo alfabetizado digitalmente de forma tardia agora pode fazer diante da quantidade louca de informação à sua disposição.

Estou pensando especificamente nos meus pais, na classe média urbana moradora da periferia. Minha mãe não é revolucionária, pelo contrário. Enquanto pais de alguns amigos eram perseguidos políticos e outros torturados pelos milicos, ela estava na porta da Record à espera do Rei. Mas não quer o fim dos partidos políticos – até porque sabem que não há o que colocar no lugar no horizonte visível. Tem orgulho de votar e dá valor ao voto.

Um giro telefônico não é uma pesquisa com amostragem científica. Mas falei com alguns amigos da periferia para checar se a percepção era a mesma e todos, invariavelmente, disseram que seus pais gostaram do discurso da Dilma na TV. Não pelas promessas do petróleo untando a educação, de sotaques diferentes na saúde ou de uma participação popular ressignificada em uma reforma política. A concordância foi no pito de mãe: "pode protestar, mas sem fazer arruaça, hein!".

Pois, se por um lado, a polícia militar comete um genocídio a conta-gotas de jovens pretos e pobres na periferia de São Paulo, por outro muitos dos mais pobres que conseguiram comprar sua TV de LCD têm medo de perdê-la, bem como os produtos que, finalmente, os alçaram à categoria de cidadãos. Gostam da ordem para garantir que sua inclusão pelo consumo seja mantida, compartilhando o medo da classe média alta.

Tem medo de grandes mudanças, inclusive institucionais. Isso inclui o tiozão malufista que quer a Rota na rua, o microempresário com simpatia pelo PSDB histórico, os trabalhadores que ajudaram na construção do PT de antigamente. Ou o pessoal que tem mais simpatia por políticos do que por partidos.

Eles não têm acesso à tanta informação como seus filhos e os filhos da classe média alta e alta. E nem levaram suas insatisfações e descontentamentos às ruas. Se houver tempo hábil para esse pessoal todo entrar na rede e se empoderar de ferramentas de troca e construção, qual seria o impacto de sua presença nesse admirável mundo novo que se abre à nossa frente? Hoje, parte deles está presente, normalmente em greves e reivindicações pontuais e objetivas. Não posso negar que fico torcendo para que isso aconteça.

De certa forma, é praticamente um movimento inverso de muitos jovens que estava debatendo nas redes sociais e, tomando carona nos protestos pela revogação dos aumentos das tarifas do transporte público, trouxe seus cartazes de 140 caracteres, além de suas dúvidas e certezas para as ruas.

Por fim, durante a campanha para Prefeitura de São Paulo, os candidatos diziam que, agora, o desafio é melhorar a vida da porta para fora do cidadão, porque o crescimento econômico e o consumo já havia resolvido da porta para dentro. É fato que a vida material da maioria das pessoas melhorou na última década e, agora, há outros desafios além de pasto, água e emprego. Ou seja, passamos a um novo patamar da vida coletiva, o que inclui coisas como liberdade urbana, qualidade de vida e participação nos destinos da pólis.

E percebe-se, aos poucos, que o consumo não resolveu tudo, nem incluiu todos. Para que um grupo de pessoas tivesse qualidade de vida, outro teve que sacrificar e ser expulso de onde morava. Agora, os removidos em obras da Copa, os indígenas retirados de suas terras e os ribeirinhos expulsos por hidrelétricas vão passar a fatura. Além do mais, há uma série de outras pautas que fazem parte tanto da vida doméstica quando coletiva, como o direito de casais do mesmo sexo e a autonomia da mulher sobre seu próprio corpo que estão sobre a mesa.

Sempre é hora do pessoal cumprir o que se diz em campanha. Mas, agora, com essa gente toda na rua e outros tantos se alfabetizando em linguagem de rede, eles terão que calçar as sandálias da humildade e reformular rapidamente o que prometeram nas eleições. O papelzinho ficou antigo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.