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Leonardo Sakamoto

Dia do Homem: hora de queimar cueca em praça pública

Leonardo Sakamoto

15/07/2013 16h06

Comemoramos, nesta segunda (15), o Dia do Homem no Brasil. Antes de mais nada, devo confessar que não fazia a mínima idéia da existência de tal data. Até porque, como todos sabemos, hoje também é o aniversário da primeira conquista de Jerusalém pelos cruzados, da adoção da Marseillaise como hino francês, da criação da primeira unidade do Alcoólicos Anônimos e, é claro, da fundação do glorioso Uberaba Sport Club. Resolvi, pois, atualizar e republicar um texto do blog para celebrar tão pujante data.

De início estranhei o Dia do Homem, acostumado à importância histórica do 8 de março, dia simbólico de resistência feminina contra os nossos desmandos (e dia de despejar comerciais de TV para comprar cosméticos e afins). Celebrar um dia de orgulho gay faz sentido, de orgulho hétero não (com exceção do que pensam fanáticos religiosos e desocupados em geral), pois o segundo grupo – detentor do poder – não sofre opressão no momento de se afirmar como possuidor de direitos. Pelo contrário, a opressão parte dele.

Enfim, o homem precisa de uma data sendo que já roubou para si todo o calendário?

Uma das principais justificativas para o Dia do Homem (que internacionalmente é celebrado em 19 de novembro) até que é boa, contudo: alertar para os riscos à nossa saúde. Lembremos que o sentimento de invencibilidade masculino encurta a vida ("Eu sou fodão! Nada me atinge!") e o orgulho de macho besta ("Prefiro morrer a deixar alguém enfiar o dedo onde não é bem-vindo!") leva mais cedo à sepultura. Então, campanhas nesse sentido nunca são demais e, por esse viés, a data tem seu mérito.

Na verdade, hoje deveria ser dia de queimar cueca em praça pública, como foi com os sutiãs décadas atrás. O machismo conta com o homem no papel de agressor, mas também de vítima. A ele não é dado o direito, desde pequeno, de demonstrar afeto, sentir emoções, a ficar doente, expor fraquezas. Já passou da hora de sermos homens e não machos.

Mas também há um componente deste dia que diz respeito a promover uma relação justa entre gêneros. Dessa forma, a data deveria ser momento de reflexão sobre o que temos feito para encurtar as distâncias entre os direitos das mulheres no papel e o que elas conseguem realmente conquistar na prática após transpor as barreiras impostas por nós.

Da pressão social pela adoção do nome de família do companheiro, passando por não sofrer violência sexual no trem sem precisar de um vagão especial, vestir-se como quiser sem ser chamada de vadia, ganhar a mesma remuneração que o homem ao exercer função equivalente até ter autonomia para decidir o que fazer com seu próprio corpo.

Muitas mulheres são vítimas de violência doméstica, enfrentam jornadas triplas (trabalhadora, mãe e esposa), não têm a mesma liberdade que os meninos quando pequenas – que dirá conduzir livremente sua vida, pressionadas não só por pais e companheiros ignorantes mas também por uma sociedade que vive com um pé no futuro e o corpo no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices.

Discutimos muito nos últimos tempos sobre as mudanças estruturais pelas quais o país tem que passar, citando saúde, educação, transporte, segurança, corrupção, mas – não raro – esquecemos dos problemas ligados aos grupos que sofrem com o desrespeito aos seus direitos fundamentais. Que não conhecem classe social, cor ou idade. Como as mulheres que são maioria – e minoria.

Pois o descontentamento com o caráter ou a competência de uma mulher na política faz com que ela seja chamada de "vaca", "vadia", "vagabunda". Xingamentos bizarros que não têm nada a ver com o comportamento da pessoa como administradora pública ou representante política, mas querem desqualificar um gênero, colocando-as no seu "devido lugar".

Mas, japa, é Dia do Homem ou Dia da Mulher?

Considerando que o causador de determinado problema também pode ser parte da solução se perceber o quão tosco é, eu é que pergunto: faz diferença?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.