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Leonardo Sakamoto

Plantações devoram maranhenses. E construções os engolem

Leonardo Sakamoto

29/08/2013 02h55

Antônio Carlos Carneiro Muniz, 36
Claudemir Viana de Freitas, 28
Felipe Pereira dos Santos, 20
José Ribamar Soares do Nascimento, 20
Leidiano Teixeira Barbosa, 27
Marcelo de Sousa Rodrigues, 22
Ocirlan Costa da Silva, 19
Raimundo Barboza de Souza, 38
Raimundo Oliveira da Silva, 29

Dos nove operários encontrados mortos, até a manhã desta quinta, na área do desabamento de um prédio em construção, em São Mateus, Zona Leste de São Paulo, sete eram oriundos do Maranhão. A tragédia ocorreu na última terça (27).

Quando ouvimos sobre serviços penosos, desgastantes e até degradantes, lembramos de cortadores de cana que, não raro, se esfolam de tanto trabalhar para garantir nosso açúcar para o bolo e, é claro, o etanol "limpinho" do tanque de combustível. Analisando as rotas de migração desses cortadores (que vêm principalmente do Maranhão para as usinas do interior paulista), a partir de dados de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e de entrevistas com sindicatos de trabalhadores rurais, auditores fiscais, procuradores e juízes do trabalho conduzidos pela ONG Repórter Brasil, é possível perceber um elo entre a crescente mecanização – que tornam desnecessários esses cortadores – e a mudança no foco dos contratadores de mão de obra, os conhecidos "gatos", que passaram a levar parte dessa força de trabalho para a construção civil no interior e na capital paulistas.

Ou seja, os maranhenses que eram engolidos por plantações, agora são soterrados em construções.

Bombeiros retiram vítima do local (Foto: Rodrigo Capote/UOL)

E a bola da falta de segurança par os trabalhadores da construção civil está sendo cantada há tempos. Um protesto, no dia 26 de abril, envolvendo milhares de trabalhadores do setor parou ruas do Centro de São Paulo. Eles reclamaram contra os altos índices de acidentes fatais em canteiros de obras e cobraram mais investimentos em segurança por parte dos empregadores e mais estrutura para a fiscalização do trabalho pelo governo federal.

Enquanto isso, os empresários da construção civil não têm o que reclamar. Programa de Aceleração do Crescimento, "Minha Casa, Minha Vida", Copa do Mundo, Olimpíadas. Governo injetando bilhões para financiamento. É claro que tudo isso significa mais geração de empregos em um setor que já contrata milhões. Mas produzir em quantidade e rapidamente tem, por vezes, significado passar por cima da dignidade do trabalhador.

Nesse contexto, entende-se a razão do governo federal estar apoiando o projeto de lei 4330, do deputado federal Sandro Mabel, que amplia a terceirização legal no país. O que agrada, e muito, o setor da construção civil. Mas dificulta o combate à superexploração do trabalho e do trabalho escravo ao tirar a possibilidade de punir grandes empresas tomadoras de serviço.

Outro ponto: a obra de São Mateus não tinha alvará para a construção e já havia sido multada mais de uma vez e embargada pela prefeitura.

Isso me lembra que, anos atrás, o partido no poder reclamou do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido por parte do empresariado. Esquece-se (ou ignora-se) que o ritmo de crescimento não deve ultrapassar a capacidade de garantir segurança para quem faz o país crescer. Ou ir além da capacidade física e psicológica desse pessoal. Mas como estamos falando dessa gente encardida, não tem problema. Dá mais uma colherada de feijão, uma cachacinha e pau na máquina.

Lembrando que acelerar o crescimento não envolve ignorar direitos apenas em grandes obras nacionais, mas também nas pequenas, em periferias das grandes cidades.

Quando o quiprocó se instalou no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, causado pela revolta de trabalhadores que protestavam contra as péssimas condições de serviço em março de 2011, o governo, que teme por (mais) atrasos nos cronogramas das obras ficou em polvorosa. Na época, a solução apontada pelo Planalto veio na forma de um pacto com empresas e sindicatos para evitar novos conflitos. Disse o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: "a ideia do pacto é exatamente prevenir para que não haja, em relação as obras da Copa, eventuais atrasos". O governo quis, dessa forma, copiar o "Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar" – acordo vendido como um instrumento eficiente, mas que não mostrou ao que veio e, hoje, nem existe mais. Seu objetivo era melhorar a imagem do etanol no exterior, cumprido seu papel, evaporou.

Trabalho escravo tem sido encontrado em obras do PAC, do "Luz para Todos", do "Minha Casa, Minha Vida" (concedendo ao governo uma tríplice coroa), da CDHU em São Paulo (para ninguém dizer que estou batendo só no PT). Pessoas têm dado o sangue em todo tipo de canteiro, como um jovem de 16 anos que morreu soterrado em uma obra no Cambuci, Centro de São Paulo. Ou os nove operários que morreram em um canteiro de obras, em Salvador, quando o elevador em que estavam despencou de uma altura de 65 metros. E como esquecer do operário que perdeu a vida esmagado nas obras do novo estádio do meu Palmeiras. A ficha corrida do setor cresce a olhos vistos.

Na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, trabalhadores chegaram a declarar greve após um acidente matar um operador de motosserra no ano passado. A morte não teria sido o motivo da greve e sim uma série de reclamações sobre remuneração e condições de trabalho, mas funcionou como estopim. "Nós não temos segurança nenhuma lá. Falta EPI [equipamento de proteção individual], sinalização e principalmente gente pra fiscalizar", afirmou um trabalhador ouvido pelo Movimento Xingu Vivo. O Consórcio responsável pela obra disse, através de sua assessoria de imprensa, que o trabalhador era contratado de uma empresa terceirizada e atuava no processo de terraplanagem e "supressão vegetal". Sempre uma terceirizada.

Até porque as obras são tocadas, na prática, por terceirizadas no Brasil. Falta de assinatura na carteira de trabalho alheia é refresco.

Nessa empreitada pelo crescimento, o Maranhão – que apresenta a menor expectativa de vida na média de homens e mulheresa segunda pior taxa de mortalidade infantil, o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano e as três piores cidades em renda per capita do país – já entregou seus filhos para darem seu sangue pelo país. Literalmente.

Atualizado às 8h30 para inclusão do nome de Claudemir Viana, a nona vítima encontrada.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.