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Leonardo Sakamoto

Greve de jornalistas no Pará envolve diário de Jader Barbalho

Leonardo Sakamoto

27/09/2013 09h33

No Brasil, greve de jornalista é raro feito encontrar cabeça de bacalhau.

Portanto, entender as razões que levaram profissionais do Diário do Pará e do Portal Diário Online a cruzarem os braços é importante para o próprio futuro do jornalismo tupiniquim. Os veículos pertencem ao Grupo Rede Brasil Amazônia de Comunicação, controlada pela família de Jader Barbalho, senador pelo PMDB.

De acordo com denúncia dos grevistas, apesar de estar entre os maiores veículos de comunicação da região e sediado na capital de um grande estado, chega a pagar salários com valores abaixo da remuneração de estagiários em redações de São Paulo. 

Neste momento de crise estrutural do jornalismo industrial, gastamos um bom tempo analisando novos modelos de negócios e possibilidades trazidas pela tecnologia e quase nos esquecemos da discussão sobre a valorização do trabalhador envolvido na produção e transmissão de narrativas e reflexões.

Jornalista muitas vezes não se vê como trabalhador. Na cabeça de muitos colegas de profissão, fazer protestos por melhores condições é coisa de caixa de banco, de operário sujo de graxa ou de condutor de trem que atrasam nossa vida e geram congestionamentos na cidade. Muitos não se perguntam de onde vem o dissídio ou as melhorias das condições de trabalho. Como crianças, acham que assim como o leite vem do mercado, essas coisas surgem do nada, sem ter sido fruto de muito diálogo entre capital e trabalho. Irônico como quem defende a democracia não entenda os próprios direitos. 

A entrevista, abaixo, foi respondida de forma coletiva por jornalistas que cruzaram os braços. E, por questões óbvias, não serão identificados por aqui. 

1) Greve de jornalistas é coisa rara no Brasil. Apesar dos constantes "passaralhos" e das más condições de trabalho, boa parte dos profissionais de imprensa não se mobilizam por nada. Por que, desta vez, foi diferente?

Avaliamos que a decisão de deflagrar a greve foi como um copo que transborda. Imagino que o caso do Diário do Pará seja emblemático pelas condições extremas, mas essa realidade não é assim tão diferente de outras redações espalhadas pelo Brasil. Até as condições mais básicas de trabalho nos são negadas. Imagine uma redação sem copos, sem água potável, sem computadores e cadeiras suficientes, completamente sucateada. Onde não se pratique o pagamento de horas-extras e os salários sejam aviltantes (repórter que recebe R$ 1000 por mês, por exemplo), gente que cobre a violência e vai para a linha de frente sem equipamento de segurança. A decisão pela greve foi como um basta. Esse movimento é também um reflexo das Jornadas de Junho, que muitos de nós reportamos. Elas nos mostraram, de perto, a rua como importante terreno de luta política. A demissão arbitrária do colega Leonardo Fernandes também fortaleceu essa decisão. Ele foi desligado porque participa da organização do movimento. Plantou um sentimento de revolta em todo o grupo.

2) Dizem que jornalistas não se enxergam como trabalhadores, ao contrário de bancários, metalúrgicos, condutores de ônibus – categorias que obtém conquistas maiores que os jornalistas. No Pará é assim também?

Acho que esse sentimento é o mesmo no Brasil inteiro. E considero uma de nossas maiores vitórias – ainda que a greve não tenha findado – o despertar para a consciência de classe. Começamos enfim a nos enxergar como categoria. No Pará, a última greve dos jornalistas ocorreu há 26 anos. O glamour também atrapalha, o status hoje inerente à profissão encobre a realidade (muitas vezes dura) por trás dos holofotes. Quando entendemos que a profissão de jornalista é precarizada em todo o país, buscamos uma unidade e então encaramos essa situação como uma luta da classe trabalhadora, não dos funcionários da empresa A ou B. Também por isso vimos jornalistas de veículos concorrentes engrossando o coro, deixando antigas rixas restritas unicamente às salas dos patrões. Outro ponto importante é que, na ausência dos grevistas, o jornal continua circulando, mas caiu muito em qualidade. As edições estão repletas de falhas. Percebemos aí o nosso valor individual na produção do "jornal de um milhão de leitores", como o marketing da empresa insiste em propagar.

3) O que acontece quando um político possui uma concessão de televisão?

Ele comunica segundo os seus interesses. E no Brasil, infelizmente, temos oligopólios à frente dos principais grupos de comunicação. Não existe liberdade de imprensa, mas de empresa, o que impõe uma espécie de escravidão intelectual quando nos obriga a ferir o que aprendemos quando passamos pela universidade. Pautas de interesse exclusivo do patrão e seu círculo de convivência, que caem em nossas mãos como matérias altamente recomendadas. É por isso que enfrentar um grupo tão poderoso quanto a família Barbalho requer coragem. O medo acaba confinando os jornalistas dentro das redações. Isso precisa mudar e estamos fazendo a nossa parte. É bacana destacar também a importância do midialivrismo para fazer frente a essa realidade que toma conta do país há décadas.

4) A redação está totalmente parada? E quando a greve acaba?

Não. Contabilizamos 80% dos trabalhadores de braços cruzados. A greve acaba quando tivermos uma negociação justa, que possa equilibrar os interesses da empresa e dos trabalhadores. O Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor-PA) protocolou proposta de acordo coletivo desde abril e até a véspera de nossa greve, no dia 19/09, nenhuma outra mesa de negociação foi disponibilizada pela empresa. De todos os grandes veículos de comunicação paraenses, o Grupo RBA foi o único a se negar sentar com o sindicato antes de nossa mobilização. Infelizmente, porém, nessa reunião havia apenas os diretores de redação e representantes dos departamentos jurídico e de recursos humanos, sem a presença de um diretor com poder de decisão para atender nossas pautas. Apresentaram uma proposta de reajuste salarial de 20% e depois de 30%. Apesar de esse ser o maior reajuste conseguido por uma categoria no Brasil, entendemos que sem negociar alguns pontos, como estabilidade pós-greve e readmissão de nosso colega, Leonardo Fernandes, não haveria acordo. Diante dessa impossibilidade, mantivemos a greve, e já no primeiro dia tivemos uma conversa informal com um dos diretores, na qual foi afirmado certo avanço. Só que até hoje nunca houve uma mesa de negociação. Na última quarta (25/09) a empresa apresentou outra proposta, se comprometendo a dar 50% de aumento até abril do ano que vem. Mais uma vez sem se disponibilizar a negociar. Por isso decidimos manter a greve até conseguirmos ser vistos como seres com dignidade suficiente para sentar com a direção do Grupo RBA e assim negociar o futuro da empresa e de nossa categoria, impedindo ao máximo futuras retaliações.

Acho que cabe aqui contar uma história. Às vésperas de deflagrarmos a greve, um diretor do grupo foi ao Facebook fazer um comentário infeliz. Disse: "Meia dúzia de gatos pingados acha que pode mudar o mundo". Ele ironizou nosso movimento numa indireta e a afirmação repercutiu muito. No primeiro dia de mobilização, conseguimos já uma margem surpreendente de adesões e adotamos 'Os Saltimbancos' como nosso hino: "Nós gatos já nascemos pobres/ porém já nascemos livres", com direito a ciranda no meio da rua durante os atos públicos, que ocorrem sempre em frente à sede da empresa, em uma das vias de maior circulação em Belém. Costumeiramente brincamos que essa é a 'Revolução dos Gatos Pingados".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.