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Leonardo Sakamoto

Welcome to Brazil! The Proud Land of Porrada

Leonardo Sakamoto

09/10/2013 14h07

Você que está todo animado para visitar o Brasil por conta da Copa do Mundo, no ano que vem, tenha cuidado. O brasileiro que detém qualquer tipo de poder não aceita ser contrariado. São pessoas muito sensíveis, que não reagem bem a críticas ou a qualquer argumento que fuja dos poucos elementos que possuem para explicar o mundo.

Dá para sair ileso disso? Sim, claro! Basta seguir algumas recomendações, como:

Se beijar alguém do mesmo sexo na rua, pode levar porrada.
Detectando a presença de fundamentalistas religiosos ou de pessoas machistas, preconceituosas e/ou homofóbicas (que são a maioria da população, infelizmente), evite proximidade física. Se for abordado, diga que já pagou o dízimo neste mês. Ou visualize uma rota de fuga.

Se criticar o discurso de ódio de um ruralista, pode levar porrada.
Não visite o Congresso Nacional em dia de votação de projeto de interesse da bancada ruralista caso não esteja com a carteirinha de vacinas em dia. Para saber o tipo de imunização, além da anti-rábica, clique aqui.

Se você é jornalista no lugar certo, na hora certa, pode levar porrada.
Aí, não tem muito jeito. Se estiver fazendo o seu trabalho em uma manifestação, provavelmente irá apanhar. Mantenha no bolso um papelzinho com seu tipo sanguíneo e contatos telefônicos em caso de emergência.

Se reclamar que alguém parou sobre a faixa de pedestres, pode levar porrada.
Não sei como é no seu país mas, por aqui, a prioridade do uso do espaço público é dos carros. Pedestres são considerados um incômodo detalhe, mas que já está sendo resolvido. E como qualquer fuinha pode ter uma arma, cuidado ao reclamar se estiver sem colete à prova de bala.

Se você estiver em uma festa e alguém te agarrar à força, não reclame, pode levar porrada.
Jovens brasileiros, principalmente os da classe média, levam a sério a máxima de que mulher na rua à noite está à disposição. Normalmente, andam em bandos, seja por questões de insegurança pessoal ou necessidade de reafirmar a masculinidade, esbanjando testosterona. Ao ver um tipo desses, não olhe para o lado.

Mais do que um país sem memória e com pouca Justiça, vocês visitantes irão encontrar um país conivente com a violência como principal instrumento de resolução de conflitos. A porrada é uma instituição nacional.

Enquanto esse país não acertar as contas com o seu passado, não terá a capacidade de entender qual foi a herança deixada por ele – na qual estamos afundados até o pescoço e nos define. A ditadura não criou a violência desmesurada, mas foi bem eficaz em sua institucionalização como método de controle social.

O Brasil não é um país que respeita os direitos humanos e não há perspectivas para que isso passe a acontecer pois, acima de tudo, falta entendimento sobre eles e, consequentemente, apoio, da própria população.

O impacto desse não-apoio se faz sentir no dia a dia com um grupo que sempre esteve no poder (ricos, brancos, homens, héteros…) aterrorizando, sozinhos ou através da polícia ou de representantes políticos, a outra parte da população.

Se ainda assim quiser vir, beleza. Mas tome cuidado. Gostamos de viver as tradições por aqui. Como o direito de deixar claro quem manda e quem obedece.

Através dela, a porrada, que é o que realmente nos une e nos faz brasileiros.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.