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Leonardo Sakamoto

Itaquerão: Mais dois mortos na conta da construção civil. Vai, Brasil!

Leonardo Sakamoto

27/11/2013 18h14

Um desabamento matou dois trabalhadores no canteiro de obras do novo estádio do Corinthians, em São Paulo, onde ocorrerá a abertura da Copa do Mundo. A culpa, como ficará provado, é do repórter da Folha, que cobria o fato e acabou por ser vítima da fúria de funcionários do Corinthians e da Odebrecht.

Em abril deste ano, um protesto envolvendo milhares de trabalhadores da construção civil parou ruas do Centro da capital paulista. Reclamavam dos altos índices de acidentes fatais em canteiros de obras e cobravam mais investimentos em segurança por parte dos empregadores e mais estrutura para a fiscalização trabalhista pelo governo federal.

Daí, em agosto, dez operários morreram no desabamento de um prédio em construção, em São Mateus, Zona Leste de São Paulo, em agosto.

A capivara da construção civil é imensa. Já discuti aqui a história de um jovem de 16 anos que morreu soterrado em uma obra no Cambuci, no Centro de São Paulo. Ou de outros nove operários que morreram em um canteiro de obras, em Salvador, quando o elevador em que estavam despencou de uma altura de 65 metros. E como esquecer do operário que perdeu a vida esmagado nas obras do novo estádio do meu Palmeiras?

Os empresários da construção civil estão com sorrisos de orelha a orelha. Copa do Mundo, Olimpíadas, Programa de Aceleração do Crescimento, "Minha Casa, Minha Vida". Governo injetando bilhões para financiamento. É claro que tudo isso significa mais geração de empregos em um setor que já contrata milhões. Mas produzir em quantidade e rapidamente tem, por vezes, significado passar por cima da dignidade do trabalhador.

Isso me lembra que, anos atrás, o partido que está à frente da administração federal reclamou do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido por parte do empresariado. Esquece-se (ou ignora-se) que o ritmo de crescimento não deve ultrapassar a capacidade de garantir segurança para quem faz o país crescer. Ou ir além da capacidade física e psicológica desse pessoal. Ou dos equipamentos utilizados. Ou do terreno.

Dilma dá uma migalha aqui, outra ali, quando abre pequenos concursos para repor os fiscais do trabalho que se aposentam ou pedem demissão. Mas o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho afirma que para repor o que havia na década de 90, o Brasil precisaria mais que dobrar a quantidade de pessoas verificando condições de trabalho. Sabe quando isso vai acontecer? No momento em que marreta criar asas.

Quando uma cratera abriu, tragando sete vidas, onde hoje fica a estação Pinheiros de metrô, em São Paulo, em 2007, os envolvidos chegaram a culpar a natureza, o terreno, as chuvas, rochas gigantes, o imponderável, enfim, grandes forças malignas do universo contra as quais He-Man e She-Ha lutavam, pela tragédia. Até porque não existe uma ciência que estude a Terra. Nem uma que ensine projetar construções.

Nesse contexto, entende-se a razão do governo federal estar apoiando o projeto de lei 4330, do deputado federal Sandro Mabel, que amplia a terceirização legal no país. O que agrada, e muito, o setor da construção civil. Mas dificulta o combate à superexploração do trabalho e do trabalho escravo ao tirar a possibilidade de punir grandes empresas tomadoras de serviço que terceirizam outras que, por sua vez, contratam operários.

Aliás, o problema em milhares de obras espalhadas pelo Brasil, em boa parte dos casos, tem a mesma raiz: a terceirização tresloucada que torna a dignidade responsabilidade de ninguém. Mais ou menos assim: Um consórcio contrata o Tio Patinhas para tocar um serviço, que subcontrata a Maga Patalógica, que subcontrata o Donald, que deixa tudo na mão de três pequenas empreiteiras do Zezinho, do Huguinho e do Luizinho. Às vezes, o Zezinho não tem as mínimas condições de assumir turmas de trabalhadores, mas toca o barco mesmo assim. Aí, sob pressão de prazo e custos, aparecem bizarrices. Depois, quando tudo acontece, Donald, Patalógica, Tio Patinhas e o consórcio dizem que o problema não é com eles. E aí, ninguém quer pagar o pato – literalmente. Ficam os trabalhadores a ver navios, como Patetas.

Quando o quiprocó se instalou no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, causado pela revolta de trabalhadores que protestavam contra as péssimas condições de serviço em março de 2011, o governo, que teme por (mais) atrasos nos cronogramas das obras ficou em polvorosa. Na época, a solução apontada pelo Planalto veio na forma de um pacto com empresas e sindicatos para evitar novos conflitos. Disse o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: "a ideia do pacto é exatamente prevenir para que não haja, em relação as obras da Copa, eventuais atrasos".

Na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, trabalhadores chegaram a declarar greve após um acidente matar um operador de motosserra no ano passado. A morte não teria sido o motivo da greve e sim uma série de reclamações sobre remuneração e condições de trabalho, mas funcionou como estopim. "Nós não temos segurança nenhuma lá. Falta EPI [equipamento de proteção individual], sinalização e principalmente gente pra fiscalizar", afirmou um trabalhador ouvido pelo Movimento Xingu Vivo. O Consórcio responsável pela obra disse, através de sua assessoria de imprensa, que o trabalhador era contratado de uma empresa terceirizada e atuava no processo de terraplanagem e "supressão vegetal". Sempre uma terceirizada.

Quando alguém passa desta para a melhor soterrado pelo cimento, temos um comportamento bizarro, de crítica quase que envergonhada. A reflexão não pode durar muito porque, afinal de contas, a vida segue. Comprei meu apartamento e ele deve ser entregue, o estádio do meu time tem que ficar pronto, a estrada deve ser asfaltada e o metrô entregue, preciso de energia para a minha indústria e ano que vem é ano de eleição. Alguém tem que arcar com essas demandas e com a falta de recursos para tanto. Então, que se tome mais uma cachacinha, encha a boca de arroz com feijão e pau na máquina. Amanhã todo mundo já esqueceu.

Enquanto isso, um ingresso VIP para os jogos da Copa custou R$ 1200,00. Quase dois salários mínimos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.