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Leonardo Sakamoto

Se alguém encontrar um par de alianças gastas pelo tempo, seja feliz

Leonardo Sakamoto

09/12/2013 18h27

Quando escrevi que o furto de um bicho de pelúcia poderia ser mais duro para uma pessoa do que o de qualquer outro bem, muita gente por aqui ficou sem entender. Como assim? Um pacote de pelos vale mais que um notebook?

Talvez seja pelo costume de interpretar tudo pelo viés literal ou pela preguiça de pensar fora da caixinha. Contudo, prefiro acreditar que é, simplesmente, pela falta que Fernando Pessoa fez na vida deles.

Pois "o Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".

Creio que os dois senhores armados que gentilmente assaltaram meus pais, na manhã desta segunda, não conheciam Pessoa, muito menos seu heterônimo Alberto Caieiro. Não sei quais os motivos que os levaram àquele ato, mas devia ser algo desesperado uma vez que, após perceberem que o celular de meu pai não era um smartphone, mas algo vagabundo e pré-pago, e que ele dispunha de poucos reais na carteira, pediram as alianças de ambos.

Acostumadas por conta de quase quatro décadas, teimaram em sair. Mas, por fim, se foram. Como já dizia o trocadilho, antes os anéis do que os dedos.

Tirando o susto inicial, minha mãe me ligou para contar o causo. É claro que não estava feliz, mas também não pedia a vivisecção dos rapazes ou o seu esfolamento em praça pública – como as soluções (sic) para a criminalidade apontadas por alguns de meus queridos leitores. Até porque, se assim fosse, eles não seriam meus pais.

Não eram grande coisa. E eram grande coisa. O furto do simbólico é o que machuca mais. O significado depositado em algo pela sobreposição dos anos e das vivências que, de repente, se desconecta é diferente daquele raso que é imposto pelas cenas bonitas dos comerciais de TV. Pena que muita gente não veja diferença entre eles e dê tanto valor àquilo que, na verdade, pouco vale.

Pois o significado do primeiro não se desfaz com a fuga do objeto. A ideia segue presente na marca deixada no dedo, que é mais importante que o metal que sobre ela repousava, e que será, no seu devido tempo, substituído.

Portanto, desejo, de verdade, que elas tragam felicidade a alguém como trouxe a meus pais.

E se o vil metal não funcionar, então só resta Fernando Pessoa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.