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Leonardo Sakamoto

Dez dicas para não ser visto como idiota na internet

Leonardo Sakamoto

12/02/2014 09h32

Uma amiga ligou e confessou estar #xatiada com o clima cada vez mais violento das redes sociais e páginas da internet, com pessoas pedindo o sangue umas das outras. Como se a nossa sobrevivência dependesse de postagens e tuítes destruidores. Ela queria saber se o mundo enlouqueceu ou se estava sensível demais.

Atravessamos a adolescência da internet, em que as pessoas estão com os hormônios à flor da pele, descobrindo para que servem certas partes do corpo, e fazendo besteira loucamente. Os formadores de opinião têm uma parcela grande de responsabilidade em incendiar o pessoal que não estava acostumado com o debate público. E feito uma criança que nunca viu um gatinho, maltrata o bichinho quando ganha um.

Cultura política deveria ser algo melhor fomentado, desde cedo, não só via estrutura formal de educação, mas ao longo da vida através de espaços públicos e meios de comunicação, evitando simplificações políticas, onde há complexidade de matizes e zonas cinzentas. E mostrando que temos o direito de discordar das pessoas e continuar amigo delas, apesar do beicinho de desaprovação dos que estão à nossa volta.

Para ajudar nisso, listei, com a ajuda de amigos, dez dicas para não ser um idiota na internet. Pois um pouco, é claro, todos somos. Bora lá:

1) Não existe Verdade absoluta. O que temos são pontos de vista e é até aceitável que cada um veja o seu como a sua verdade suprema. Então, defenda o seu argumento mas sem nunca esquecer que ele é apenas isso: a interpretação do mundo que você resolveu chamar de sua. E que, do outro lado, tem uma pessoa – não um perfil, página ou conta de twitter.

2) "Tá bom, mas não se irrite!", como dizia o sábio Roberto Bolaños. Você não acha idiota alguém que entra no carro e passa a ver provocação em tudo no trânsito? Então, não faça o mesmo com o teclado. Respire, acalme-se, conte até dez. Coloque uma musiquinha do Kenny G.

3) Antes de postar, pergunte-se: este comentário é realmente necessário? Não estou dizendo relevante porque provavelmente não é, tal qual este post. Mas necessário. Se está postando algo só para magoar alguém, putz, sinto informar que você tem problemas sérios… E recuse pauperizações. Porque o discurso indignado fundamentado na própria indignação não vale nada: o vazio conceitual de muita gente faz com que suas posições se confundam. Sejam de esquerda, sejam de direita. Se é pra falar mais, num mundo já tão saturado de palavras, que se fale bem.

4) Petralhas. Tucanalhas. Amantes da Coreia do Norte e de Cuba. Burguesia fétida e morfética. Mensaleiro. Trensaleiro. Esquerdista caviar. Direitista pão com manteiga. Corinthiano. Sabia que atacar o argumentador ao invés do argumento em um debate entrega o quão vazio você é?

5) Leve o Facebook e o Twitter menos a sério. Vou revelar uma coisa que, talvez, não acredite: o mundo vai continuar girando mesmo sem suas postagens nas redes sociais. Aterrorizante, não? Pois, na maioria das vezes, elas são conversas de boteco digitais. Um papo com breja não é tão importante quanto o nascimento da primeira filha, então, contenha-se.

6) Primeiro, leia um texto inteiro (e não apenas o título) e tente entender o que a pessoa escreveu antes de comentar. Nem tudo é preto no branco, considere tons de cinza. Lembre-se que a língua portuguesa tem figuras de linguagem – ironia, principalmente. Não insira palavras e ideias que não estão na postagem alheia ou aplique intepretações malucas escondidas que só os paranóicos vêm. Vai por mim, nem tudo na internet foi publicado para te irritar.

7) Você não está sozinho quando posta uma abobrinha. Milhares de pessoas podem estar lá vendo. Faça um teste: vá até a conexão das estações Consolação e Paulista do metrô e grite a plenos pulmões aquelas coisas fora da casinha que você costuma gritar na rede. Se ninguém estranhar, publique.

8) Há pessoas preocupadas apenas em ganhar debates e ignoram as dores do outro. E ofendem, xingam, maltratam, espantam. E há aquelas que querem construir algo através deles. E ouvem, entendem, toleram, absorvem. Qual desses grupos você acha que vai deixar saudades se partir?

9) Opiniões díspares não devem nos afastar e discordâncias não devem nos separar. Aliás, ninguém concordará com tudo o que está aqui, pois esta lista é arbitrária como toda lista, repleta de equívocos. Nada é tão certo. Nada é tão simples.

10) Aprenda a rir de si mesmo. Todos temos estilos, contradições, somos caricatos. Leitores atentos percebem isso e vão cutucar você. Não se ofenda. Ria junto. Diz muito sobre a inteligência de uma pessoa a capacidade de autocrítica que ela tem. Enfim, #somostodosridiculos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.