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Leonardo Sakamoto

Irritado com comentários? Conheça a opinião de quem os lê como profissão

Leonardo Sakamoto

21/02/2014 13h25

Se você fica irritado ao ler alguns comentários preconceituosos ou que incitam a violência em sites e redes sociais, imagine o dia a dia de quem faz isso como trabalho. A equipe coordenada por Débora(*) é responsável por fazer a moderação de comentários postados em notícias, blogs e fóruns para grandes empresas de comunicação.

Nos últimos quatro anos, leram milhões de comentários para garantir um serviço que funciona em tempo real, 24 horas por dia, sete dias por semana. Adotam critérios de acordo com o cliente, com regras de uso que podem incluir a exclusão de mensagens que promovem a homofobia, a xenofobia, incitam  a violência e por aí vai. Segundo ela, nenhuma opinião é cerceada desde que não entre nessas categorias.

Ela acha que estão aparecendo mais comentários violentos, mas a participação das pessoas está maior também. E que as piores disputas não estão na política e sim no futebol.

Um profissional como esse deve praticar um exercício diário de bom humor e desapego. Mas quando questionada sobre o tipo de comentário que mais a choca, não titubeia: "Gay tem que morrer". E mostra que não perdeu a capacidade de indignação: "Ainda hoje, depois de tantos comentários, quando lemos que um gay mereceu morrer ou apanhar é chocante".

(*) Apesar de não sofrerem ameaças, moderadores também são alvos de constantes xingamentos por conta da seleção de comentários. Por conta disso, não irei divulgar o nome verdadeiro ou a empresa da entrevistada.

Segue a entrevista a este blog.

Há diferenças entre comentaristas de esportes, política ou de cultura e lazer?
Sim, a gente tem perfis distintos. Por exemplo, o usuário que posta na área de entretenimento é predominantemente mulher. Diferentemente de esportes, onde a maioria é de homens. E, mesmo assim, dentro dos temas, eles agem em grupos. Por exemplo, em esportes, se dividem por times, torcidas. Existe uma grande rivalidade entre torcedores. Em entretenimento, pegando um tema atual como o Big Brother, há briga entre torcedores de "brothers". Isso também acontece em economia e política, mas aí os grupo são organizados por partidos.

Há uma característica específica nesse grupo. Quando um político morre, ninguém dá condolências. É diferente da morte de um artista. Um político morto é sempre uma comemoração. Nas notícias sobre a morte de políticos ou sobre doenças, as pessoas vão estar lá comemorando.

E baseado nos comentários, como está a percepcão sobre  a política nacional?
As pessoas estão muito descontentes com relação à política. Não tem ninguém satisfeito. Há até grupos que tentam, através da área de comentários, organizar revoltas. Aí quando aparece um planejamento para executar uma ação, a gente tem que barrar comentário. Se uma pessoa chega e diz: "uma revolução seria a solução para o país", daí tudo bem, mantemos. Mas quando ela começa a organizar com outras pessoas, temos que vetar.

Como assim? Há leitores que se já tentaram se organizar para fazer um golpe?
Sim, já teve isso.

Na sua opinião, desde que você começou a trabalhar com moderação, os comentários estão ficando mais violentos quanto às notícias?
Aparecem mais comentários violentos. Estão querendo fazer muita justiça com as próprias mãos. Por exemplo, nos casos dos jovens amarrados em postes, as pessoas estão assustadoras, elas acham isso normal. Consideram que isso é a solução para os problemas. Mas, de uma maneira geral, o que ocorre é que as pessoas participam mais, ou seja, o número de comentários aumentou. O perfil do usuário não mudou, só a quantidade.

A proporção de comentários excluídos por ferirem as regras de publicação aumentou em relação aos publicados?
Acho que continua a mesma proporção. Em futebol, temos um número maior de comentários excluídos porque as ofensas entre torcedores de futebol são muito maiores, um usuário ofende ao outro. Também não publicamos quando um usuário ofende ao outro por erro de ortografia, chamando-o de "analfabeto". Há sites que são muitos livres quanto à moderação. Mas há um grupo de internautas que não se sente bem em ambientes que liberam tudo, com palavras de baixo calão ou crimes virtuais.

Qual o tipo de texto que mais atrai comentários violentos?
Textos sobre mortes de homossexuais e atos de "justiça" com as próprias mãos. As pessoas aprovam isso. E quando a polícia bate em alguém, dizem que "bandido bom é bandido morto". Acham o máximo. É muito normal para muita gente sair matando as pessoas. Acreditam que é o povo que tem que fazer Justiça.

E qual o tipo de comentário que mais te choca?
"Gay tem que morrer." Ainda hoje, depois de tantos comentários, quando lemos que um gay mereceu morrer ou apanhar é chocante.

A maior parte dos comentaristas coloca nome e sobrenome ou usa apelido?
A maioria é apelido. A pessoa, quando se identifica, segura um pouco. Estou dando minha cara a tapa, respondendo com meu nome… Nesse caso, ela tem um comentário mais tranquilo.

De tanto ler comentários assim, você mudou a forma como vê o mundo? Isso mexe com você?
Tem comentários em certas notícias que entristecem, a gente pensa como alguém pode achar isso. O caso recente do menino amarrado no poste é um exemplo, a maioria das pessoas achando aquilo normal, sem nem querer saber a história. Eu pensava, nossa como os valores estão invertidos.

É engraçado que quando aparece um comentário legal, nós repassamos entre nós da equipe, "olha que comentário show de bola". No meio disso tudo, há os que se salvam.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.