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Leonardo Sakamoto

Ministro diz que futebol não é política. Mas nem o governo acredita nisso

Leonardo Sakamoto

26/02/2014 16h02

"Futebol é uma coisa, política é outra."

A frase, do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, foi dita nesta quarta (26), de acordo com o jornal Folha de S.Paulo. E não poderia estar mais equivocada.

Jogos são usados para distrair, alienar e conduzir a plebe há muito tempo. O pessoal que sangrava no Coliseu, em Roma, que o diga.

Mesmo ao longo de nossa história, o futebol foi utilizado com fins políticos. Não faltam livros, teses e documentários para quem quiser se informar sobre a ditadura militar e a Copa de 1970, na qual ganhamos o direito de derreter a Jules Rimet.

Por isso, o futebol é uma idiotice? Não, o futebol em si é fantástico. Idiota é quem tenta instrumentalizá-lo.

Não há uma relação direta entre a manutenção do grupo no poder e quem ganha a Copa desde a redemocratizacão. Em 1994, levamos a Copa e o ministro da economia foi eleito presidente. Em 1998, perdemos e Fernando Henrique foi reeleito. Em 2002, ganhamos e Lula chegou ao poder. Em 2006, perdemos e ele foi reeleito. Em 2010, perdemos, mas Dilma manteve o PT no poder. Pode-se discutir 1994 e 2002 sob a ótica do sentimento de mudança, claro. Em 2014, quem sabe? Há muitos elementos em jogo.

"O povo sabe muito bem quem tenta se aproveitar desse tipo de situação, portanto não tem problema", também disse Gilberto.

O ponto é que parte da população também sabe o significado da expressão "Pão e Circo". E não está satisfeita com a ausência de algo que possa ser chamado de legado após a nuvem de gafanhotos chamada Fifa passar por aqui.

E se "futebol é uma coisa, política é outra", como o ministro Gilberto Carvalho diz, por que trazer uma Copa do Mundo é tão importante para a imagem do país, como seu governo nos vendeu? Por que teve tanto político saltou como canguru em dia de festa quando o resultado saiu? Por que amam o futebol? Não subestime nossa intelgência, por favor.

Foi o governo, ao não garantir as contrapartidas sociais, ambientais e trabalhistas, da vinda da Copa em um comportamento de subserviência à Fifa mas também a empreiteiras e outros clientes, é que convidou a todos para a ação. Agora o povo, atendendo ao chamado, simplesmente entrou em cena.

A população, indo às ruas protestar por direitos que, em tese, já lhes são garantidos pela Constituição está apenas respondendo a essa provocação. A Copa é sim um tema político. E o seu questionamento frente à ausência de políticas sociais também.

Só os operários mortos em obras de estádios que não podem reivindicar.

E, ao contrário do que o ministro disse ("quem tentar politizar uma manifestação na Copa vai quebrar a cara"), ao ignorar essas pautas apresentadas e apoiar, por ação ou silêncio, a repressão contra manifestantes feitas por governo estaduais ou tentar aprovar leis draconianas para conter a população, quem pode "quebrar a cara" é o próprio governo. Ano eleitoral, ano eleitoral…

Por fim, o senhor afirma que "precisamos dizer ao mundo que o Brasil é extremamente democrático. O mundo vai ter que entender que o Brasil tem uma forma muito própria das manifestações".

Não adianta colocar tecla SAP nas imagens de porradas sobre manifestantes e jornalistas. O mundo inteiro está vendo. E, me desculpe, levar cacetada e bomba de gás não é "uma forma muito própria de manifestações".

É apanhar do seu próprio governo, aquele que deveria, em tese, muito em tese, nos proteger.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.