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Leonardo Sakamoto

Sósia do Felipão: Errar é humano. Principalmente se você for jornalista

Leonardo Sakamoto

22/06/2014 16h00

Creio que todos os colegas acompanharam o erro cometido por Mario Sérgio Conti e divulgado tanto na Folha de S. Paulo quanto em O Globo. Ele entrevistou um sósia do Felipão em um vôo entre Rio e São Paulo e mesmo com a cópia avisando que não era o original, publicou a entrevista, achando que se tratava de uma brincadeira do técnico gaúcho. Os dois jornais não acharam estranho várias incongruências que cercavam a história e deixaram passar. No caso da Folha, por exemplo, a edição já estava impressa e teve que ser reciclada.

O erro é grande? Claro. E o caso não só vai render boas discussões nas faculdades de jornalismo, mas também ficará no anedotário da profissão – que é extenso e inclui histórias que vão do "boimate", o fruto da manipulação genética do boi com tomate, ou mesmo o "enforcamento" de Jesus. Ainda mais porque estamos no meio da Copa do Mundo e notícias sobre futebol correm como vento. Enfim, para quem não estava diretamente envolvido no caso, foi algo entre a graça da falha, o escárnio contra um jornalista e veículos conhecidos e uma certa vergonha alheia aliada a uma pitada de solidariedade.

Vergonha alheia porque a maioria de nós, jornalistas, consegue se colocar exatamente no lugar do experiente Mário Sérgio e imaginar que se fosse conosco, ia ser bem chato o dia seguinte.

É duro admitir que falhamos. Na nossa profissão, especificamente, é um drama. Por mais que vocês ouçam de nós que assumir um erro faz parte do dia-a-dia e apenas engrandece quem assume o mea culpa, isso é só conversa pra boi dormir. É uma merda federal aquele calafrio que sobe a coluna quando percebemos que um erro bizarro brotou de nossas mãos. Tenho alguns amigos grandiosos que não se abalam um milímetro, mas outros recorreram a antidepressivos. Até porque, com saudáveis exceções, vale o ditado: sabe como jornalista se suicida? Sobe no ego e pula.

Se for grande a falha então, pelo-amor-de-deus-nossa-senhora-jesus-maria-josé. O problema não é tanto a vergonha, os olhares de reprovação de nossos pares, as gozações de quem não vai com a nossa cara ou de nossos detratores, pois tudo isso passa. Mas sim o medo da perda de credibilidade junto às nossas fontes e leitores.

Erros vão acontecer, sempre, porque somos humanos e lidamos com material humano. Essa é uma certeza imutável da profissão – que se junta a outras, como "não se fica multimilionário sendo repórter honesto" e "a edição sempre fecha no final".

Um jornalista experiente, por ter mais quilometragem de carreira e de vida, tende a não cometer certos erros dos "focas" (como chamamos os novatos). Mas, ainda assim, são pessoas como qualquer outra e não seres divinos e infalíveis.

Isso sem contar que muitos dos erros cometidos no jornalismo são derivados do mesmo processo que leva a falhas em outras profissões: a intensificação do ritmo de trabalho. A chegada do maravilhoso mundo novo da internet não significou alento para muita gente mas, pelo contrário, serviço dobrado – e que não termina quando o expediente acaba pois, agora, o virtual desterritorializa o trabalho.

E quando um erro é confundido com má fé? Ou seja, quando você simplesmente fez uma besteira, mas teorias conspiratórias afirmam a presença de mãos peludas como responsáveis. E não adianta dizer que não é culpa de ninguém, as pessoas vão achar que você foi censurado.

O erro jornalístico não é menos grave que o erro médico. Ele também mata e, além disso, destrói reputações (os donos da Escola Base que o digam). Assumir rapidamente a "barriga", como chamamos as burradas no nosso jargão, ajuda a diminuir o estrago, mas não o apaga. Ainda mais com a internet e sua memória em rede, garantindo que ninguém tenha o direito ao esquecimento. Jornalistas e veículos de comunicação têm que se debruçar sobre as causas desses erros e ponderar se o seu processo de produção de conteúdo é capaz de reduzir a chance de falhas. Atuar para que erros não voltem a acontecer é tão importante quanto reconhecê-los.

E mais importante do que rir deles.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.