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Leonardo Sakamoto

Em terra de tosco, quem tem olho puxado pode levar pedrada

Leonardo Sakamoto

30/06/2014 18h03

Particularmente, acho divertido quando me chamam de "japa", "japs", "nipo", "china", "cabotchã" (abóbora, em japonês, por conta da cabeça grande, é claro). Ou quando as expressões surradas de velhas são resgatadas, como "abre o olho japonês". Lembro da época de criança, quando todos éramos muito bobos.

Já recebi mensagens de leitores desabafando que não gostam de serem tratados através dessas "brincadeiras" no trabalho ou na escola. Muitas vezes, há maldade embutida nisso e acredito que quem se sinta desrespeitado deve procurar fazer com que o outro entenda isso. Eu prefiro conceder ao máximo o benefício da dúvida. E mesmo quando comprovada a má fé e vejo que não há diálogo para uma mudança de comportamento, opto por – não raro – não alimentar os pombos.

Pincei as frases abaixo de comentários de leitores do meu blog. Elas vão mais fundo, não ficando apenas na "brincadeira" ignorante. Refletem uma visão de mundo questionável:

"Você deveria ter vergonha. O japonês é um povo honrado e trabalhador, que conquista as coisa do próprio suor. Não fica defendendo invasão como você."

"Sakamoto, com esse sobrenome, vc não deve conhecer nada de rivalidade no futebol sul americano."

"Sakamoto desonra a sua raça."

"Tu num deve manjar nada de Brasil. É japa! Então, devia parar de falar o que não sabe."

"O Japão lutou contra o comunismo e o Sakamoto não entendeu nada."

"Um japa comunista é uma aberração."

"Volta pro Japão, Sakamoto! Deixa o Brasil para os brasileiros."

"Era só o que faltava! Um japonês querendo falar mal do meu país. Volta pro Japão, Sakamoto!"

Os comentários são autoexplicativos da falta de conhecimento sobre a própria identidade e sobre o que é ser brasileiro. Desconhecimento do outro que pode levar à nada ou ao medo. Medo que pode levar à intolerância. Intolerância que sabemos aonde vai dar.

Mas é interessante que quem não se adequa ao modelo "Ilha de Caras" (mais ricos), "Família Margarina" (classe média) e "Núcleo Suburbano da Novela das 21h" (mais pobres) não raro é excluído do rol de "brasileiros possíveis" na cabeça de certas pessoas que não foram educadas para a diferença e procuram te encaixar em algum modelo para justificar a sua existência.

Tive um casal de avós paternos japoneses, mas contei com bisavô alemão (nascido em Bonn), pai da minha avó materna italiana (nascida em um vilarejo na Calábria) que se casou com meu avô materno grego (de Thessaloniki). Ou seja, sou difícil de catalogar. Mas posso dizer que, ao mesmo tempo, represento esse ponto de encontro que é o Brasil.

Tem gente que considera a diversidade complicada e lança para longe qualquer tentativa de abraçar a diferença. Besteira. O arco-iris é lindo. O cinza é que é uma cor extremamente monótona.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.