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Leonardo Sakamoto

"Ai, detesto política... Diga em quem tenho que votar e pronto!"

Leonardo Sakamoto

13/08/2014 12h17

Existe um mantra de que, se você quer vender revista, coloque Jesus na capa. Afinal, só Jesus salva. Outros temas sempre perseguidos, pois são campeões de venda: Drogas, Jesus, Dietas e mais Jesus. Lembro de um caso em que uma revista colocou Jesus na capa e vendeu horrores perto do Natal. Um ano depois, o que fazer? Repetir a capa? Ia ser muito feio. A solução foi dar a história de um dos apóstolos de Jesus. Vendeu bem de novo.

De certa forma, nós como jornalistas, sob a justificativa de "darmos o que o povo quer", já adotamos em nosso dia-a-dia o que o marketing político lasca e abusa. Quem sai perdendo nos dois casos é a sociedade, que acaba tendo reduzida a possibilidade de pluralidade.

Principalmente em época de eleições. Não raro, nos deixamos envolver pela discussão rasa e violenta que encobre uma grande verdade: não há planos concretos, com indicadores mensuráveis, no programa de governo dos candidatos. Ou, pior: há alguns planos sim, mas que devem ser devidamente escondidos para que a população não fique sabendo que será tungada, expulsa, surrada, aviltada e roubada em nome de um pretenso desenvolvimento e, é claro, dos doadores de campanha.

Isso poderia ser resolvido se a discussão sobre a política e a vida pública fosse algo tão comum quanto reclamar que a sua família comeu todo o sorvete de chocolate do pote de napolitano. Mas, para muita gente, falar de política é escatologia.

Sabe aquele mantra de que "religião e política não se discute"? Então, é cascata – e das mais grossas. Pois é exatamente ao não discutir esses dois assuntos fundamentais para cotidiano que sacerdotes e políticos ganham liberdade para fazerem o que quiserem da vida alheia.

Olha, como aqui já disse, tenho muita preguiça de quem tem preguiça de discutir política.

Principalmente em tempos de eleições, em que – ancoradas em nosso silêncio e nossa resignação – pessoas bisonhas tendem a ser eleitas para fazer rir indivíduos, empresas e organizações que os apoiam.

Sim, em última instância, somos nós os responsáveis por eleger os bisonhos supracitados. Seja por ter votado neles (reproduzindo o que terceiros disseram sem a devida análise de quem são, o que defendem e com quem estão), seja por não ter votado neles mas também não tentado, ao menos, pautar a discussão sobre eles (quando temos certeza de que não farão um bom governo ou uma boa representação) ou , pior: não ter se interessado em saber o que faz um presidente, governador, senador ou deputado – ou se as opções que estão aí cumprem esse papel.

A internet é importante como plataforma de construção e reconstrução da realidade, mas não é a única camada de interação possível, nem a única desejável. O velho corpo a corpo é fundamental. Sim, ela, a rua.

Não estou pregando, neste espaço, voto a alguém mas pedindo que, pelo amor que tem à sua própria qualidade de vida, participe ativamente dos destinos do seu Estado e país. Ainda dá tempo de tomar conhecimento de quem é o cara ou a mina em que você vai depositar sua confiança e se ele ou ela é digno desse voto ou apenas um iogurte desnatado vendido pelo marketing.

"Pô, mas política é chata demais." Mas não precisa ser assim, ela parece chata porque construíram ela dessa forma. Invente sua maneira de fazer política, oras, tem muita gente fazendo isso. E, principalmente, não xingue quem está debatendo, isso trava tudo.

Afinal de contas, a saída para contrapor uma voz não é forçar o silêncio, mas sim outra voz. O silêncio dói, machuca. O diálogo é música. Sinto um amargo na boca quando vejo pessoas que, sob o risco de verem seus argumentos naufragarem em sua própria arrogância, tentam calar o outro.

Ganhar no grito é prova de fraqueza intelectual e não de força.

Muita gente simplesmente repete mantras que lê na internet, ouve em bares ou vê na igreja e não para para pensar se concorda ou não realmente com aquilo. É um Fla-Flu, um nós contra eles cego, que utiliza técnica de desumanização, tornando o outro uma coisa sem sentimentos.

Isso é muito útil durante eleições polarizadas, mas péssimo para o cotidiano.

Somos seres complexos com múltiplos níveis de relações. Tenho colegas conservadores politicamente, mas liberais em comportamento que guardo em muito mais estima do que colegas progressistas politicamente, mas com um discurso e prática comportamentais tacanhos. Afinal de contas, não é possível defender a liberdade dos povos e transbordar machismo, tratando a companheira como uma serva em casa.

É mais fácil pensar de forma binária. Mas, dessa forma, a vida vai ficando mais pobre. Sem o direito ao convívio diário com aqueles que pensam de forma diferente, estancamos em nossas posições, paramos de evoluir. Do outro lado sempre estará um monstro e do lado de cá os santos. Isso sem contar a impossibilidade de apreciar tudo o que o outro tem de melhor – do ombro amigo à conversa inflamada em uma mesa de bar.

Neste domingo e para o segundo turno, onde ele ocorrer, sugiro que busquem a tolerância no diálogo, mesmo que firme e duro, e ao questionarem o outro sobre as razões que o levam a determinada escolha, não tenha medo de colocar à prova a sua própria opção. Que se for forte o bastante, resistirá ao contato com outra ideia. Nossa natureza não é de certezas, mas de dúvidas e falhas que só conseguem ser mais bem percebidas nesse contato.

Por fim, quem rompe a barreira do conformismo e tenta debater política – independentemente do seu posicionamento – é taxado como chato, babaca ou subversivo. Ou seja, um mala sem alça que não entende que o país é um organismo autônomo que lhe presta um favor por deixar nele viver. E ainda é obrigado a ouvir coisas do tipo:

– Ignora que ele vai embora
– Ei! Estamos numa mesa de bar e você quer conversar de política? Deixa de ser idiota!
– Você não curtiu a foto que postei no FB da minha rosquinha no café da manhã e quer agora que eu discuta política com você? Egoísta.

Acreditamos que somos ocupantes provisórios do país em que vivemos. Caso tivéssemos essa necessária sensação de pertencimento, participaríamos realmente da vida política e perceberíamos o quão importante são dias como hoje em que decisões para os próximos quatro anos serão tomadas.

Mas o país, de fato, não nos pertence. Entregamos ele, há muito tempo, às indústrias de automóveis, às empreiteiras e às empresas de telefonia móvel, entre outras, que sabem do que a gente realmente precisa.

Então, por que discutir política? Compre, fique quieto e seja feliz.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.