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Leonardo Sakamoto

Caso Grêmio: O silêncio nos torna responsáveis pela ignorância dos outros

Leonardo Sakamoto

03/09/2014 18h20

Hoje é um dia para entrar para a história. A 3ª Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva excluiu o Grêmio da Copa do Brasil, nesta quarta (3), por conta das ofensas racistas de torcedores contra Aranha, goleiro do Santos, em partida das oitavas de final, conforme noticiou o UOL. O clube ainda foi multado em R$ 54 mil e os envolvidos nos xingamentos proibidas de entrar em estádios por 720 dias. Árbitro e auxiliares foram punidos e suspensos por não relatarem o ocorrido.

À decisão, cabe recurso. Mas ela tem o potencial de repercutir em partidas de campeonatos nacionais ou regionais pelos próximos anos.

Uma punição rigorosa não vai resolver o problema por decreto. Federações, times e torcidas ainda farão vistas grossas ou mesmo darão apoio de forma velada ao preconceito. Mas é uma indicação de que há coisas que não podem e não devem ser toleradas.

Durante a Copa do Mundo, postei aqui que seria fabuloso se alguma seleção perdesse os pontos que conquistou em campo ou fosse desclassificada da Copa do Mundo caso sua torcida presente no estádio apelasse para a homofobia, transfobia ou racismo.

– E se alguém usar uma camisa de outro time e xingar? (como se até uma ameba em coma não fosse capaz de descobrir isso…)
– Cadê minha liberdade de expressão?
– Ah, mas que radicalismo!
– Deixa o povo se divertir.
– É só brincadeira.
– É só futebol.

Repito o que escrevi durante a Copa: não, não é só futebol. Porque futebol é grande demais para ser só futebol. É também espelho da sociedade que somos e farol daquele que desejamos ser. E quando futebol é palco para agressão da dignidade, não é apenas um determinado grupo, mas toda a sociedade que é atacada.

E não importa se são dez ou mil os que gritaram. Diante de homofobia e racismo, o silêncio por parte dos outros torcedores é sim conivência.

Comer banana jogada no estádio é uma reação válida para um jogador que sofreu uma agressão, mas não muda as coisas em escala maior. Pois não #somostodosmacados – lema que faz uma crítica vazia, funcionando muito mais como modinha oportunista do que ajudando na conscientização sobre as causas e as consequências do preconceito. Pelo contrário, #somostodosridículos.

Isso não ajuda a acabar com racismo, apenas coloca pó e base nele. Mas ajuda agência de publicidade a faturar um Leão em Cannes. E, transformado em hit, é ótimo para tentar vender saídas cosméticas para problemas estruturais.

Coisa que quem usa o discurso da mudança para manter tudo como sempre foi adora fazer.

Certos xingamentos não são escolhidos aleatoriamente, mas significam uma forma de separar o certo e o errado, o quem manda e quem obedece, ditados pelo grupo hegemônico. Como as piadas, que existem em profusão para rir de gays, travestis, negros, mulheres, terreiros, pobres, imigrantes e que raramente caçoam de pessoas ricas ou famílias de comerciais de margarina na TV. Ou seja, proferidos por pessoas que são corajosas diante de fracos, covardes perante poderosos.

Torcedores de futebol, quando entoam coros chamando determinados jogadores de "bicha", que é um termo depreciativo, têm o intuito de transformar uma orientação sexual em xingamento. Reforçam, dessa forma, que ser "bicha" é ser ruim, ser frouxo, medroso, incapaz e tantos outros elementos acrescidos ao significado falsamente aos gays ao longo do tempo. Nesse caso, o uso da expressão não está atacando apenas o jogador (independentemente da orientação sexual do esportista), mas toda a coletividade, pois reforça preconceitos e questiona a dignidade de determinado grupo.

Fazendo um paralelo simples: um naco da torcida gritando que um jogador negro é "negro" não é simples observação da realidade, mas quer passar um recado cuja intenção não é das melhores. Assume uma conotação diferente do significa original da palavra, com um significado bem distante de gritar que um jogador branco é "branco" em uma torcida de brancos. Pois sabemos bem que certas sociedades dá pesos diferentes a negros e brancos e que o racismo é presente em muitos lugares.

Em resumo: se não sabe brincar, não vá ao estádio. Ou, estando lá, não abra a boca.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.