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Leonardo Sakamoto

Selfie no volante, perigo constante

Leonardo Sakamoto

03/01/2015 10h07

Atravessando a rua na faixa de pedestres, quase fui alvejado por um rapaz que, com uma mão, conduzia cerca de uma tonelada de metal e, com outra, digitava algo em seu celular.

Quando reclamei, o mancebo ainda ficou irritado. Gritou algo sobre minha mãe e uma outra coisa envolvendo o final do meu sistema digestivo. Em sua memória, a palavra "pedestre" deve estar armazenada ao lado de "desgosto", "fora da namorada" ou "provas bimestrais".

O fato é que a gente sempre espera uma morte mais icônica, como ser atacado por um fundamentalista na frente do parque perto de casa ou alvejado por um franco-atirador enquanto passeia de carro.

Mas nunca atropelado por tuíte.

É claro que vivemos um momento em que diferentes camadas de relacionamento, analógicas e digitais, imbricam-se umas às outras, criando uma única teia de vivência, à qual não é mais possível "conectar-se", porque já estamos conectados, com trocas ocorrendo 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Mas olhar para frente ainda é importante.

Eu já pratiquei essa estupidez. E quando refleti sobre isso, senti-me o mais completo idiota, digno de pena, e se tivesse um chicote às mãos, me penitenciaria.

Já sugeri isso, mas dado o crescimento do problema – que deveria ser considerado uma das grandes preocupações da República, sob o risco de, feito um jogo de "Resta Um", matarmos uns aos outros até sobrar uma única pessoa teclando no smartphone, este blog conclama:

Se dirigir, não tuíte. Ao postar no Face, não dirija.

Selfie no volante, perigo constante.

SMS e direção não combinam.

WhatsApp? Vá de ônibus.

Não faça como o Orkut: chegue vivo a 2015.

Você que gosta de fazer essas coisas enquanto dirige é livre para não participar desta campanha.

Mas peço que, caso sofra um acidente grave, mate ou cause sequelas permanentes em alguma pessoa que não tenha nada a ver com sua incapacidade de viver em sociedade, por favor, poste as fotos no Instagram e explique, com orgulho, o que fez.

Se curte tanto compartilhar tudo o que faz e se conectar a todo o momento sem o mínimo de bom senso, que este texto de infortúnio – ao menos – sirva para lembrar que as pessoas sangram, quebram e morrem.

E, ao contrário do que acontece nos smartphones, quando a gente se quebra de vez, não adianta trocar o chip de lugar.

Em tempo: Semana passada aconteceu a mesma coisa comigo, mas a pessoa estava de bicicleta. Sem capacete, descia uma ladeira, controlando o guidão com uma mão e teclando com a outra. Fiquei apenas observando enquanto passava. Nesse caso, não são necessários grandes alertas. A seleção natural deve resolver.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.