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Leonardo Sakamoto

O stalker ideológico e o iminente golpe comunista no Brasil

Leonardo Sakamoto

20/05/2015 11h45

Estou me divertindo horrores com a repercussão desta foto tirada sorrateiramente e transformada em meme por um site conservador de humor (parece contraditório, mas eles são bons). O meme levantou debates existenciais à esquerda e à direita e eu me senti querido pacas.

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Neste ano, estive em Washington para participar como palestrante de um evento da Organização Internacional do Trabalho e do Departamento de Trabalho norte-americano. Avisei no Facebook, inclusive.

Ninguém disse nada.

Daí falei no seminário "Innovative Approaches to Combating Forced Labor and Other Forms of Workers Exploitation", também, como palestrante, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

Ninguém disse nada.

Venho todos os anos, várias vezes ao ano, para Nova Iorque e Washington (afinal a política de combate à escravidão e de defesa aos direitos humanos deve ser global, uma vez que as ameaças a ela também são) e ninguém nunca fala nada.

Quando, durante uma viagem de trabalho, sento para tomar um cafezinho, entre um evento e outro, uma reunião e outra, o povo grita "comunista hipócrita!", fritando nas redes sociais.

Analisando friamente os elementos envolvidos nessas situações, chego à conclusão que o problema não são os Estados Unidos ou eu. É o café.

Maldito café.

A batalha de ideias na internet é uma coisa muito doida. Poucos estão interessados em discutir o que o outro pensa, seja de direita ou de esquerda. O objetivo é imputar a ele uma série de chavões simplistas, transformando-o em uma caricatura – que é diferente da vida real, mas que serve a um discurso.

Como o leitor médio na internet não foi formado para absorver informação criticamente, acaba adotando muita coisa como verdade, sem raciocinar. E como ele, não raro, não está preparado para uma leitura complexa da realidade, não vê as entrelinhas e aceita que o mundo seja o palco de uma luta entre bem e mal, de esquerda e direita. Não entende contradições ou processos. E confunde a crítica, necessária para o desenvolvimento individual e coletivo, com o ódio.

Como o tosco lema da tosca ditadura militar brasileira: "Brasil: ame-o ou deixe-o", lembram? Ou você é assim ou é assado, não existe tons de cinza.

Se você declara ser progressista ou de esquerda (seja lá que raios significar ser de esquerda hoje em dia) automaticamente tem que declarar voto de pobreza, votar no PT, querer o comunismo, ter uma sunga igual à do ditador da Coreia do Norte.

Não raro, quando estou em algum restaurante em São Paulo, sou fotografado e depois criticado em páginas conservadoras nas redes sociais. Por exemplo, almocei com um advogado e, horas depois, haviam postado fotos do almoço, com o preço da comida, questionando o meu direito de estar lá e o fato de, apesar de parecer gordinho, pedir sobremesa. E o sujeito ainda me seguiu e ficou tirando fotos na rua. E se eu tivesse colocado o dedo no nariz? Quem pagaria o prejuízo?

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Então, tenho que avisar algo importante. A partir de agora, se quiserem, por favor, me peçam. Não fiquem tirando foto escondida porque vocês são péssimos. Falta a competência técnica de fotojornalistas como Marcos Hermes ou Gilvan Barreto. Pois, nas imagens feitas porcamente em seus smartphones, pareço mais gordo e mais cabeçudo que já sou. Praticamente, uma abóbora que sustenta um chocotone.

É só chegar e dizer: "Sakamoto, eu te odeio com todas as minhas forças porque você é um jornalista que come criancinha e representa o mal neste mundo. Sim, eu li isso no WhatsApp, então é verdade. Por isso, quero tirar uma foto e fazer um meme para expor sua hipocrisia. Posso?" Desde que a foto saia boa, claro!

Outra dica: cheque duas vezes antes de trolar alguem. Sabe quando a pessoa fica ouriçada porque acha que descobriu uma mina de ouro e, minutos depois, tem vontade de sumir de vergonha? Fui com uma amiga jornalista assistir ao filme Relatos Selvagens no início do ano. Daí recebi este comentário de um empolgado leitor – que, apesar de jovem, desconhecia os benefícios das compras pela internet:

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Ele o apagou, claro. E depois postou, novamente e somente, a "denúncia".

Voltando às viagens: posso compartilhar a minha agenda previamente. Esta não foi a primeira viagem a Nova Iorque no ano e nem será a última, porque irei dar aulas.

Alem disso, na primeira semana de junho, estarei na Universidade de Durham, na Inglaterra, para falar das minhas pesquisas sobre trabalho escravo contemporâneo. Em outubro, na Universidade de Stanford – também convidado para falar sobre escravidão. Em novembro, reunião do conselho do fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão, em Genebra, do qual faço parte. Enfim, se o pessoal da patrulha quiser algo do Free Shop é só dizer, desde que não estoure a cota.

Mas nada disso importa. O importante é que a galera é rápida na rede. Sensacional:

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Atente-se para a conversa que tive com um professor universitário (é sério) via inbox. Resumi porque o negócio foi longe – eu estava sem ter o que fazer, esperando uma reunião:

– Você é comunista e está nos EUA! Hipócrita!

– Eu me posiciono à esquerda, mas nunca disse que era comunista. Mas mesmo se fosse, sua reclamação não faz muito sentido.

– Mentira! Hipócrita!

– Acho que você deveria se informar melhor. Essa mania de colocar tudo no mesmo barco – gente de esquerda em geral, comunistas, socialistas, petistas, psolistas, o povo sem partido, movimentos sociais – dá um nó, sabia?

– Não preciso mostrar. Você é comunista! Adorador de Cuba, da Coreia da Norte e da Venezuela. E detesta os EUA.

– Ué, mas adoro o povo estadunidense – pelo menos uma parte do pessoal progressista que mora na Costa Leste e na Costa Oeste… Só tenho embates com as políticas do seu governo e de suas empresas. Curto pacas um hamburguer opressor, amo House of Cards e assisti a todos os episódio de House.

– Seu idiota! Isso é hipocrisia! Você deveria viver como os pobres.

– Não, quem gosta da estética da miséria é punheteiro social. E voto de pobreza é algo cristão e eu não tenho fé alguma. Só no Palmeiras, mas tá difícil. Quem disse "largue tudo e me siga" foi o outro barbudão – Jesus, não Marx. A ideia é fazer com que os pobres deixem de ser pobres, não?

– Você não está me levando a sério.

– Não, não estou. Mas se te deixar feliz, posso trocar meu terno por um saco de estopa, meus remédios de uso contínuo por chás e mandingas e usar sinais de fumaça ao invés deste notebook opressor com o qual escrevo esta resposta.

O melhor é que quando eu expliquei em outro post que estava na cidade também por conta de meu trabalho junto à ONU, houve quem dissesse que a ONU era uma "organização comunista sem credibilidade alguma".

Tá vendo? Isso é que dá jogar bombas de gás em professor de história e pagar a eles salário de fome.

Outro meme ótimo e sexy:

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Mas preciso ser honesto. Tudo isso é cortina de fumaça. Há realmente um golpe comunista em curso no Brasil.

FHC, Lula e Beth Carvalho me mandaram em uma missão especial: levar as determinação do Foro de São Paulo para o camarada revolucionário Obama. E aquilo onde eu estava não era um café e sim uma célula do Communist Army Force of Execution (Cafe), local seguro – como pode ser visto pelas estrelinhas vermelhas ao fundo, no vidro – no qual entreguei as ordens bolivarianas.

Porque, como todos sabem, o corte em direitos trabalhistas e previdenciários em nome do ajuste fiscal, bem como o ataque à dignidade dos povos tradicionais, em nome de uma visão distorcida de desenvolvimento, levados a cabo pelo governo do PT no Brasil, são apenas distração para turvar os reais planos de um grupo maior e secreto: a implantação do comunismo em todo o continente americano.

O plano tem sido tão bem feito que ninguém percebeu que Levy (codinome: Grande Vara) é nosso. O ministro da Fazenda vai aplicar golpes na recuada CLT a fim de ganhar a confiança do mercado. Depois, lastreará a economia com rublos, pesos cubanos, wons norte-coreanos, bolívares venezuelanos e, claro, a pa'anga, da ilha de Tonga.

Enquanto isso, o companheiro Eduardo Cunha está lançando algumas polêmicas para a mídia se distrair. Ao final do seu mandato, contudo, entrará com a proposta de emenda constitucional que acaba com a propriedade privada no Brasil. Os companheiros da Brigada Mikhail Bakunin, que foram eleitos sob o disfarce de "Bancada Evangélica", estão ansiosos tanto para votarem a PEC quanto para poder parar de falar mal de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis. O companheiro Beto Richa cumpriu o combinado e, através da identidade reativa à violência estatal, conseguiu organizar e mobilizar os professores e servidores públicos no Estado do Paraná. Os comitês revolucionários dos estados devem ser orientados a copiar o modelo desenvolvido pelo companheiro Beto e aplicar a mesma fórmula com o intuito de acordar as massas.

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O companheiro Geraldo teve sucesso com a parte do plano que previa secar a capital paulista. Toda a água está, agora, escondida em uma rede de cavernas abaixo do sistema Cantareira sem que ninguém ao menos desconfie. Provavelmente em agosto, as torneiras de mais da metade da cidade já estarão secas, o que levará ao êxodo em massa da elite para seus haras ou para hotéis na região da Berrini/Morumbi, abastecidos pelo sistema Gurapiranga. Nesse momento, Jardins, Higienópolis, Pacaembu, Perdizes e adjacências serão ocupados pelos companheiros do movimento sem-teto, por clínicas de médicos cubanos e pelos argelinos treinados pelo camarada "Libanês", que foi prefeito e governador de São Paulo.

Por fim, Dilma foi sedada por um grupo avançado que invadiu o Palácio do Alvorada e levada para um local secreto, onde ficará sob custódia. Em seu lugar foi colocada a "Moça", que após cirurgias plásticas em Pequim e intenso treinamento, tornou-se uma cópia perfeita, mas "de luta". Porém, como ela estava bem acima do peso da mandatária (que, de uma hora para a outra, resolveu fazer a dieta Ravenna), tiveram que proibir aparições públicas da "Moça" por algumas semanas, até que ela perdesse massa corpórea. A "Moça" está instruída a manter a política entreguista de Dilma por mais seis meses. É prazo mais do que suficiente para que o carregamento de armas norte-coreanas do companheiro Kim Jong-un chegue ao porto de Santos, escoltadas por mariners do camarada Obama.

Com as tripas do último Mickey, enforcaremos o último Muppet. Vai ser duro, porque gosto de Muppets. Mas sacrifícios são necessários.

Em tempo: Algumas companhias aéreas que operam Brasil – EUA estão fazendo uma promoção monstro para Nova Iorque por esses dias. A passagem ida e volta pode sair uns R$ 600,00, mais taxas. Você não vai ficar fora dessa, vai?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.