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Leonardo Sakamoto

2013: O ano que ainda não terminou

Leonardo Sakamoto

14/09/2015 13h20

Vamos levar algum tempo até compreendermos como as jornadas de junho de 2013 – formadas por grupos majoritariamente mais jovens e socialmente mais diversos do que aqueles que participam dos protestos contra o governo federal e das manifestações pró-direitos e/ou a favor do governo neste ano (como apontou o Datafolha) – ajudaram a levar o debate político para a rua, empolgaram setores que não participavam abertamente da arena política e contribuíram com um caldo que contextualizou tanto a histórica greve dos garis no Rio quanto os protestos dos professores em Curitiba, reprimidos com violência.

No rastro delas, vale lembrar, o centro descobriu os rolezinhos das periferias, levantado um debate sobre classes sociais e desejos de consumo. Ocorreram os protestos contra a Copa do Mundo – e isso bem antes do 7 a 1. E tivemos a campanha eleitoral presidencial mais polarizada e tosca do recente ciclo democrático brasileiro, com as candidaturas do PT e PSDB jogando óleo quente nas redes sociais. Que, desde então, seguem fritadas, ao ponto de mentiras serem aceitas como notícias checadas e xingamentos e ameaças de morte utilizadas como instrumentos de retórica em debates públicos.

Mas aposto que uma consequência será, certamente, o remorso de uma parcela da esquerda que se negou a dialogar com grupos de jovens que participaram das manifestações. Não estou falando dos organizadores, mas da massa que foi à rua e, querendo ser compreendida, não foi. Prova disso foram as respostas dadas pelo governo e o Legislativo, insuficientes diante de uma crise de representatividade e da necessidade de uma reforma política real, que aumentasse os instrumentos de participação social.

Uma grande parte dos manifestantes de junho de 2013 era composta por jovens, precariamente informados, que desaguou subitamente na rua, sem nenhuma formação política, mas com muita vontade e indignação, abraçando a bandeira da mobilidade e trazendo outras. Muitos desses jovens estavam descontentes, mas não sabiam o que queriam. Sabiam o que não queriam. Naquele momento, por mais agressivos que fossem, boa parte deles estava em êxtase, alucinada com a rua e com o poder que perceberam ter nas mãos. Mas, ao mesmo tempo, com medo. Pois cobrados de uma resposta sobre sua insatisfação, no fundo, no fundo, conseguiam perceber apenas um grande vazio.

Oito anos de PSDB e 13 anos de PT têm culpa nisso. Pois, a questão não é só garantir emprego e objetos de consumo. Eles queriam sentir que poderiam ser protagonistas de seu país e de suas vidas. E viam a classe política e as instituições que aí estão como os problemas disso.

Grande parte dos jovens que foi à ruas em 2013 ainda não retornou. Insatisfeitos com A e B, mas não enxergando algo diferente no horizonte. Ou seja, a insatisfação que carregavam em junho, de não se verem representados na forma atual de fazer política, mas em nenhuma outra que se apresente, continua. Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, afirmou que "a baixa adesão dos jovens nas últimas manifestações —pouco mais de 10% dos presentes— deixa ainda mais explícita sua ruptura com as instituições tradicionais de participação política. Predominantes nas jornadas de junho de 2013, os jovens parecem hoje receber uma espécie de castigo pela crise de representação que na ocasião acabaram por escancarar".

O mais interessante é que uma parte significativa da esquerda considerou, naquela época, que as manifestações de junho eram organizadas por grupos conservadores contra as bandeiras progressistas. E taxou esses jovens que foram às ruas de uma série de adjetivos que não condiziam com a realidade. Diante de comportamentos questionáveis e pouco democráticos de alguns jovens, externou a eles desprezo. Havia duas opções: ignorá-los, enquanto cresciam em número. Ou chamá-los para o não-confronto e promover o diálogo.

É bastante paradigmático que a referência dos jovens norte-americanos para a sua formação política seja o ex-apresentador do Daily Show, de 1999 a 2015, Jon Stewart – progressista até o osso. No Brasil, por mais que tenhamos figuras importantes nesse campo, nenhuma delas tem a extensão do impacto de Stewart. O mesmo não posso dizer do lado mais conservador. Que não têm necessariamente o impacto do norte-americano, mas se fazem entender.

O mesmo erro não foi cometido por alguns grupos conservadores e ultraconservadores, que acolheram esses jovens, chamando-os para o diálogo, conversando com eles usando suas referências simbólicas. Parte da esquerda brasileira gosta de falar consigo mesmo e evita discutir com quem não está dentro da sua bolha ou da bolha do algoritmo. Talvez porque acredite que a matriz de interpretação do mundo que prega é capaz de arrebatar multidões diante do primeiro contato.

Antigamente, ela não acreditava nisso, suava mais e gastava saliva porque não acreditava nisso. Agora, não mais.

Talvez por conta das decepções encontradas no caminho.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.