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Leonardo Sakamoto

Dilma também ataca a democracia ao sancionar lei antiterrorismo, diz Boulos

Leonardo Sakamoto

18/03/2016 15h34

Dilma Rousseff sancionou, nesta quarta (16), a lei antiterrorismo. Ao todo, a nova legislação teve oito artigos vetados pela Presidência da República – como os dispositivos que relacionavam incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou bens públicos e privados e danificar e sabotar sistemas de informática e bancos de dados como terrorismo. Também foi vetado que apologia ao terrorismo fosse punida como terrorismo.

Apesar do Brasil já contar com instrumentos legais para punir esse tipo de ato, o governo propôs a lei para atender a uma demanda de uma organização internacional que coordena políticas de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos terroristas. Organizações e movimentos sociais, temem que ela poderá ser usada para criminalizar ações públicas na luta por direitos.

A tipificação de terrorismo ficou como atos de sabotagem, de violência ou potencialmente violentos por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Segundo a lei, ela "não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais".

De acordo com Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a interpretação da lei pelas autoridades ainda pode levar à criminalização de movimentos e organizações sociais.

"Quem vai interpretar essa lei é o Ministério Público, é o delegado de polícia, é o juiz. A tendência de que essa intepretação possa ser usada para qualificar movimento social como terrorista ou ações de luta social como terrorismo existe, está colocada. Depende de um arbítrio subjetivo", afirma.

Este blog entrevistou Guilherme Boulos para que falasse sobre a avaliação dos movimentos sociais sobre a sanção da lei por Dilma, que ocorre às vésperas das manifestações pela democracia e dos atos em defesa do governo previstos para esta sexta (18) em várias cidades brasileiras.

Dilma sancionou a lei antiterrorismo, proposta originalmente por seu governo e aprovada no Congresso Nacional, com vetos. As mudanças propostas por ela são suficientes para garantir que a lei não criminalize os movimentos sociais?

Guilherme Boulos – Não há nenhuma garantia de que isso não seja aplicado contra os movimentos populares. Mesmo com os vetos da presidente Dilma, a lei antiterrorismo permanece sendo uma ameaça para os movimentos populares e à luta social no Brasil. Claro que os vetos minimizaram, tiraram a questão do dano ao patrimônio, da apologia ao terrorismo, mas se manteve, por exemplo, a questão de criminalizar atos preparatórios, o que é algo extremamente vago.

Quem vai interpretar essa lei é o Ministério Público, é o delegado de polícia, é o juiz. A tendência de que essa intepretação possa ser usada para qualificar movimento social como terrorista ou ações de luta social como terrorismo existe, está colocada. Depende de um arbítrio subjetivo. E pelo que pode ser visto neste momento, em que há um debate público envolvendo o Judiciário e ataques a garantias constitucionais, que não há muito apreço pela letra da lei quando se trata de fazer política de toga.

O Brasil precisa de uma lei antiterrorismo?

O Brasil não precisa. Não há um histórico de ações terroristas em nosso país a não ser aquelas praticadas pelo próprio Estado, por exemplo o terrorismo das polícias militares contra os jovens negros da periferias. Não há nenhuma justificativa até porque a punição a eventuais atos terroristas já estão previstos pela legislação existente. Não havia o menor sentido na elaboração dessa lei a não ser a motivada por aqueles que querem criminalizar as lutas sociais.

Os argumentos de que isso atende a demandas de organizações financeiras internacionais ou ao Comitê Olímpico não se sustentam. E mesmo se fossem exigência desses órgãos, isso seria inaceitável, porque configuraria um ataque à soberania nacional. Essa lei antiterrorismo tem uma função política para criminalizar os movimentos.

Não é contraditório um governo que está por um triz – e precisaria mais do que nunca do apoio de movimentos sociais – aprovar uma legislação que, como você mesmo diz, visa a criminalizar esses mesmos movimentos?

É contraditório, da mesma forma que é contraditório esse governo ter se voltado contra a base social que o elegeu e ter adotado o programa que foi derrotado nas urnas. A escalada golpista que temos visto no Brasil teve sua base social incrementada e um clima favorável a ela produzido pelo próprio governo, com sua política errática, encampando retrocessos e perdendo sua sustentação social. É por essa e por outras que o governo Dilma se tornou indefensável.

O que está em jogo em um momento como este é frear o autoritarismo e o viés fascista que pode atingir toda a sociedade. Vemos uma ofensiva antidemocrática de parte do Judiciário ao atacar garantias constitucionais, vemos uma ofensiva na rua de setores que agridem de forma intolerante quem não concorda com eles – até agressões feitas até a quem usa bicicleta de cor vermelha aconteceram.

Mas em nenhum momento está em jogo defender este governo. Este governo não deve ser defendido nas ruas. Dilma também atacou a democracia sancionando a lei antiterrorismo. É fundamental combater a onda antidemocrática que se volta contra o conjunto dos movimentos sociais e o pensamento crítico e que pode gerar consequências inaceitáveis. É por isso o MTST e outros movimentos sociais estão nas ruas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.