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Leonardo Sakamoto

O PT e a causa de todas as desgraças

Leonardo Sakamoto

30/04/2016 09h09

Agora que o impeachment de Dilma Rousseff é favas contadas e apenas os que acreditam na força dos gnomos da floresta acham que o Senado Federal não vai ratificar o seu afastamento, uma pergunta pertinente surge: quem as pessoas vão culpar pelos seus próprios problemas?

É claro que a grave crise econômica é lastreada nas péssimas decisões tomadas pelo governo Dilma e uma gestão do tipo Titanic em direção ao iceberg, então é lógico supor que, durante muito tempo, as pessoas vão ranger os dentes ao lembrar dela. E considerando que a taxa de desemprego atingiu 10,9% no primeiro trimestre deste ano, segundo o IBGE, e sem perspectivas de melhora, põe muito tempo nisso.

Mas, durante toda a campanha pelo impeachment, políticos, movimentos contra o governo e setores do empresariado e da mídia se esforçaram para passar a impressão de que todos os problemas do país resumiam-se à presença do Partido dos Trabalhadores no poder e a extensa rede de corrupção descoberta pela operação Lava Jato. E sua saída significaria um reequilíbrio cósmico que abriria o caminho para a felicidade e que rios de leite e mel correriam pelas cidades, com unicórnios que fazem cocô em forma de sorvete colorido.

Parte da população absorveu isso e o mantra "isso é culpa do PT" ou "isso é culpa da Dilma" passou a estar presente quando alguém reclamava da vida em conversas de bar, em jantares de família, na balada, no almoço do trabalho, depois do sexo. Ou seja, mesmo quando a culpa não procedia (e olha que o PT e Dilma se esforçaram pacas para serem culpados por muita coisa), o mantra estava lá.

Numa banca de jornal, ouvi uma conversa entre duas mães. Uma reclamava do comportamento adolescente de sua filha adolescente e culpava a influência nefasta do PT, enquanto a outra concordava com a cabeça. Eu, particularmente, culparia os hormônios, a natureza de contestação dessa fase da vida ou mesmo o tipo de relação estabelecida com a filha ao longos dos anos, mas é mais fácil responsabilizar um agente externo.

Em outro caso, o amigo de um amigo culpava o governo por conta da falência do seu negócio. Até aí, ele teria toda a razão do mundo por conta da lama econômica em que estamos atolados. Mas, após alguns minutos de conversa, os presentes perceberam que foram decisões totalmente equivocadas tomadas por ele que o levaram à bancarrota. Questionado sobre isso, abandonou a discussão chamando os presentes de petralhas.

Com a transição de poder em nível federal, gostaria de saber se elegeremos um novo inimigo público para justificar nossos próprios desacertos ou se continuaremos a culpar os antigos. Em menor grau, a sociedade brasileira e o próprio PT também fizeram isso no ocaso do governo Fernando Henrique, atribuindo tudo à "herança maldita" deixada pelos tucanos. Que também fizeram muita sujeira e coisa errada e largaram a vaca no atoleiro do brejo, mas claramente não eram culpados por todos os males do mundo.

O maniqueísmo é uma desgraça, mas o povo gosta mesmo é de um "bem" contra o "mal" porque não demanda muito raciocínio.

O governo federal é responsável por muita coisa e o partido no poder merece ser avaliado nas próximas eleições por conta disso. Mas, particularmente, acho importante entender e encarar de frente nossos próprios erros, corrigindo-os prontamente. E não terceirizar a responsabilidade por todos os aspectos de nossa própria vida. Acho que chegou a hora de sermos maduros o suficiente para isso.

Qual foi a última vez que refletiu e percebeu que você também é resultado de suas próprias decisões que vão além da política?

Desconfio que os próximos meses serão de um grande vazio para muita gente que não vive sem alguém para odiar. Pois, ao final, é o ódio que os define e dá sentido à sua existência.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.