Topo

Leonardo Sakamoto

Homofobia: Se Deus viesse à Terra, nós a mataríamos em seu nome

Leonardo Sakamoto

13/06/2016 16h36

Se houver alguma entidade suprema e sobrenatural – e eu duvido muito que exista uma – ele ou ela morre de vergonha da sua criação humana.

Não por causa daqueles que tocam a vida da forma que os faz mais felizes. Mas por conta dos que lançam preces e cantam musiquinhas para louvar seu nome – para, logo depois, ofender, cuspir, bater, esfolar e matar também em sua honra.

Nessa hora, esse Deus ou essa Deusa (caberia um gênero neutro aqui, mas a nossa língua não permite – ainda), experimenta um sentimento louco de culpa somado à vergonha alheia. Pois deve pensar: "Que catso de entidade sou eu que meus seguidores acham que preciso que sacrifícios humanos sejam feitos em meu nome?"

E não estou falando apenas do massacre que matou, pelo menos, 50 pessoas que frequentavam uma casa noturna voltada ao público gay, na madrugada de domingo (12), em Orlando, Estados Unidos. Mas das vozes que, após o ocorrido, cismam em menosprezar o ódio incutido contra homossexuais por certos grupo que habitam sociedades islâmicas, mas também cristãs.

Entre eles, políticos e religiosos brasileiros que me fizeram contorcer na cadeira de vergonha alheia ao destilarem homofobia em público após o ocorrido. O deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), por exemplo, foi vítima de mentecaptos que, ainda por cima, ridicularizaram a matança na boate.

O livre-arbítrio é prova do amor de Deus, dizem alguns. Discordo. Prova mesmo seria o milagre da suspensão de contas de redes sociais após violência contra minorias ser incitada. Digo "após" porque sou contar censura prévia.

O mais irônico é que, considerando que Jesus ou Maomé foram considerados transgressores em suas épocas, se algum novo profeta ressurgisse hoje ele seria mulher, negra, transexual e lésbica – tudo aquilo que é considerado inferior, marginal ou de segunda classe.

Seria chamada de mendiga e de sem-teto vagabunda, olhada como operária subversiva, alcunhada como agressora da família e dos bons costumes, violentada e estuprada, rechaçada na propaganda eleitoral obrigatória em rádio e TV, difamada nas redes sociais, levaria porrada daqueles que se sentem os ungidos pelo divino, seria linchada num poste pela população em nome da fé e das tradições. E, ao final, alguém tiraria uma selfie ao lado de seu corpo morto para postar no Insta.

Encaremos a realidade: se o divino viesse à Terra, nós a mataríamos em seu próprio nome. Pelo menos, 50 vezes.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.