Governo Temer vai à TV explicar por que lhe agradecer pela chicotada
Procurei, procurei, mas não encontrei no discurso do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, em cadeia nacional de rádio e TV, realizado na noite desta quinta (6), nada sobre os mais ricos também contribuírem para o país sair da crise. Ele veio a público para tentar justificar a Proposta de Emenda Constitucional 241, que vai limitar o aumento dos gastos públicos nos próximos 20 anos. E, ao contrário do que deixou a entender em sua fala, vai impactar sim as áreas da educação e da saúde – dos quais dependem as classes mais humildes.
Qualquer semovente sabe que o país vive uma grave crise econômica, social e política. E que o governo de Dilma Rousseff é o grande responsável (não gosto da palavra "culpa" porque é muito religioso) dessa situação. Mas não é chicoteando apenas quem mais depende do Estado que o problema será resolvido. Pois, podemos, ao final, voltar a crescer, mas a custo de quê? Da dignidade de milhões de brasileiros?
O ministro falou na TV que o país gasta mais do que arrecada, o que é verdade. Mas não discutiu o porquê. Nem quais devem ser as prioridades do Estado e o que deve ser cortado.
O aumento da destinação de recursos em gastos públicos, como educação e saúde, tem ocorrido acima da inflação nas últimas décadas – em parte para responder às demandas sociais presentes na Carta Magna de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir o imenso abismo social do país. Se o reajuste tivesse sido apenas pela inflação, anualmente teríamos um reajuste de custos e o tamanho da oferta de serviços não cresceria, permanecendo tudo como estava.
Se a qualidade do serviço público segue, mesmo assim, insuficiente para a garantia da dignidade da população, imagine quando novos investimentos para além da inflação forem cortados. O que deve acontecer, de acordo com o texto da proposta aprovado, nesta quinta, na comissão especial da Câmara dos Deputados criada para analisar a PEC, a partir de 2018.
Educação e saúde, até hoje, eram atreladas a uma porcentagem do orçamento (o montante da saúde, em nível federal, cresce baseado na variação do PIB, e o da educação, deve ser de, pelo menos, 18% da receita).
Como o governo está propondo um teto para a evolução das despesas públicas baseado na variação da inflação (ou seja, sem crescimento real), precisará restringir, a partir de 2018, o que é gasto nessas áreas pois não poderá cortar de outros lados protegidos, como o salário e verba de custeio de deputados federais, senadores, ministros e presidente.
Ninguém nega que o déficit público precisa ser equacionado e que soluções amargas devem ser propostas e discutidas. E todos terão que dar sua contribuição. Mas Michel Temer e seu porta-voz Henrique Meirelles demonstram um carinho grande com o andar de cima ao propor uma medida que limitará gastos que mexem diretamente com a qualidade de vida dos mais pobres e evitam aplicar remédios amargos entre os mais ricos.
Por exemplo, a volta da taxação de dividendos recebidos de empresas e uma alteração decente na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem ganha mais e isentando a maior parte da classe média). Isso sem falar na regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas e um aumento na taxação de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu).
Essas medidas sozinhas não resolvem a bancarrota para a qual caminhamos, mas sinalizaria algo importante: que o país não é mais um lugar no qual os lucros são privatizados (aliás, os mais ricos ganharam muito mais do que os mais pobres durante os governos do PSDB e PT) e os prejuízos são socializados (daí, apenas entre os mais pobres). O governo ao invés de buscar medidas que amortecessem o sofrimentos dos mais pobres, que são os que mais sentem uma crise econômica, tenta preservar os mais ricos e as associações empresariais que os colocaram lá.
Se todos contribuíssem, o texto da Constituição Federal de 1988 continuaria, aos poucos, a deixar de ser ficção e se tornar realidade.
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