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Leonardo Sakamoto

A estúpida agressão contra Eduardo Cunha e o Brasil rumo ao fundo do poço

Leonardo Sakamoto

13/10/2016 17h22

Está circulando um vídeo nas redes sociais em que Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, é agredido fisicamente no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, em meio a vaias e xingamentos. Ele teve seu mandato de deputado federal pelo PMDB carioca cassado, em setembro, por ter mentido sobre a existência de contas pertencentes a ele no exterior.

Há quem se delicie com as imagens, sorrindo por conta de uma suposta "justiça" feita pela população. Bobagem. Na minha opinião, as imagens apenas mostram que no fundo do poço brasileiro há um alçapão.

Discordo radicalmente das articulações nefastas levadas a cabo por Eduardo Cunha quando presidia a Câmara. Ele manobrou para que a proteção de crianças e adolescentes e a dignidade das mulheres fosse pesadamente atacada através de propostas de lei e deu apoio para que o fundamentalismo religioso crescesse no Poder Legislativo. Não apenas transformou a Casa do Povo em um balcão de negócios escancarado, chantageando outros poderes e dobrando as instituições aos seus interesses, como usou de violência para atingir seus objetivos – com uma polícia legislativa agindo de forma truculenta. E isso sem considerar sua carreira inteira, que começa lá atrás, junto a PC Farias.

Mas agredir fisicamente Eduardo Cunha é uma ignorância sem tamanho. Apenas mostra que estamos desistindo de confiar nas instituições e pressionar para que sejam eficazes e partindo para mais linchamentos públicos. No caso, para que sejam capazes de leva-lo a julgamento pelo que é a ele atribuído, como corrupção, cobrança de propina, evasão de divisas, lavagem de dinheiro.

Quando um indivíduo ou uma turba idiotizada resolve fazer Justiça com os próprios punhos e parte para o linchamento de uma pessoa acusada de cometer um crime, usa – não raro – o discurso de que as instituições públicas não conseguem dar respostas satisfatórias para punir ou prevenir. Afirmam, dessa forma, que estão resolvendo – como policial, promotor, juiz, júri e carrasco – o que o poder público não foi capaz de fazer, baseado em um entendimento do que é certo, do que é errado e do que é inaceitável. Mesmo que, ao final do dia, isso os transforme em criminosos, não em heróis.

Ao criticar agressões e linchamentos públicos de "culpados" ou "inocentes" não defendo "bandido" ou "impunidade", mas sim esse pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Teoricamente em algum momento da história humana, nós abrimos mão de resolver as coisas por conta própria para impedir que nos devoremos. O sistema que criamos para isso não é perfeito, longe disso, mas é o que tem para hoje.

Por fim, se algo causa impacto, é claro que será copiado. Não estou jogando a culpa no mensageiro ou dizendo que o mimetismo é a causa, mas a mídia, seja ela progressista ou conservadora, empresarial ou alternativa, tem certa parcela de responsabilidade. E não falo por conta da banalização da violência. É a sua transmissão acrítica, como se notícias fossem neutras, não houvesse contexto social e todos os receptores da informação compartilhassem dos mesmos valores.

Então, você amigo internauta, amigo jornalista, não transmita ou repasse aberrações como esse vídeo sem questionar. Lembre-se que o seu apoio a um ato idiota – seja objetivo ou por omissão – não muda sozinho a opinião das pessoas, mas unido a outros apoios ajuda a formar uma percepção sobre o assunto.

Ao final das contas, ouvindo discursos que pregam soluções violentas contra políticos, o ato de agredir Cunha passa a soar quase como uma ordem divina.

Se toda essa discussão lhe parecer inútil, pense desta forma: o Brasil não é feito de milhões de Cunhas. Muitos de nós, ao contrário dele, defendem a dignidade humana acima de tudo. Portanto, não deem esse gostinho a ele.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.