Topo

Leonardo Sakamoto

Governo cede migalhas: Reforma da Previdência segue ruim para o trabalhador

Leonardo Sakamoto

13/04/2017 20h43

Rejeitada pela maioria da população, a Reforma da Previdência está passando por mudanças a fim de amenizar a proposta. O governo federal não queria isso, mas deputados e senadores estão a temer a punição de seus eleitores no ano que vem.

Contudo, o governo segue irredutível quanto ao núcleo duro da reforma, que também provoca o maior impacto negativo: o aumento do tempo mínimo de contribuição (de 15 para 25 anos) e as novas regras para aposentadoria de trabalhadores rurais – que passariam de um mínimo de 15 anos de comprovação de trabalho para 25 anos de comprovação de contribuição e aumento da idade mínima para 65 anos.

Se isso não for alterado, cortaremos na carne dos trabalhadores pobres e da classe média baixa, tanto da cidade quanto do campo – que são os que mais necessitam da Previdência Social.

Hoje, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos) para poder se aposentar por idade (65 homens e 60 mulheres). Com a reforma, o número salta para 300 contribuições (25 anos) e idade mínima de 65 anos (ambos os gêneros).

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a maioria dos trabalhadores (52%) se aposentaram por idade até 2014. Outros 18% por invalidez e 1% por acidentes (o mercado de trabalho para o pobre é uma máquina de moer gente no Brasil). A modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição (com um mínimo de 30 ou 35 anos) representa 29%.

E dados trazidos pela Folha, mostram que 79% dos trabalhadores que se aposentaram por idade apenas no ano de 2015 contribuíram menos de 25 anos. Sendo que 13,9% (entre 21 e 24 anos), 31% (entre 16 e 20 anos) e 34% (15 anos).
O mesmo Dieese afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Porque a rotatividade do mercado de trabalho e a informalidade são grandes.

Ou seja, para cumprir 15 anos de contribuição, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Subindo para 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos.

Isso não afeta tanto os servidores públicos, com estabilidade. O problema é que, nas regiões mais pobres do país, a informalidade ultrapassa os 70%.

Sem contar que, com a aprovação da lei que permite a terceirização de todas as atividades de uma empresa sem que ela seja responsável direta pelo não cumprimento dos deveres previdenciários da prestadora de serviços, a situação tende a piorar.

Ou seja, se passar o mínimo de 25 anos, muita gente pobre vai apenas contribuir sem se aposentar ou se aposentará com um benefício menor do que aquele que teria se valessem os 15 anos.

Claro que os mais afetados são trabalhadores em atividades onde a vulnerabilidade é maior e os calotes de empregadores são mais frequentes, como na construção civil, em empregos domésticos e nas já citadas terceirizadas.

A opção para muitas pessoas pobres que não conseguirão se aposentar será esperar para buscar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ou seja, vamos empurrar milhões de pobres da Previdência para a Assistência Social.

Contudo, o governo propôs duas maldades nessa área. Primeiro, subir de 65 para 70 anos a idade mínima para pleitear o benefício. Segundo, desvincular o seu valor do salário mínimo e de seus aumentos.

"Subir essa idade para 70 anos é uma confissão do governo de que a Reforma da Previdência é excludente", afirma Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador da rede Plataforma Política Social. Segundo ele, sabendo que milhões não conseguirão se aposentar com um mínimo de 25 anos e terão que pedir o benefício assistencial para idosos pobres, o governo aumenta a idade para 70 anos e quer que o valor da assistência fique cada vez menor que o do salário mínimo com o passar dos anos.

Mesmo que o governo agora acene com a redução da proposta de 70 anos, ele teria que manter sua vinculação ao salário mínimo e garantir que a própria política de reajuste do mínimo seja fortalecida para reduzir o impacto da imposição da idade mínima em 25 anos.

Ao mesmo tempo, a proposta de Michel Temer para a Reforma da Previdência prevê que a aposentadoria especial para trabalhadores rurais, na prática, deixe de existir.

Ou seja, terão que atingir idade mínima de 65 anos, além de 25 de contribuição mínima para se aposentar. Hoje, ela – que equivale a um salário mínimo – pode ser requerida ao se completar 60 anos (homens) e 55 (mulheres), bastando a comprovação do trabalho no campo. A aposentadoria por tempo de contribuição é possível a partir de 15 anos de pagamentos. Ou esperar 70 anos e pedir uma assistência pelo BPC.

Enquadram-se pequenos produtores rurais (que já devem contribuir, aliás, com o INSS no momento da venda de seus produtos), trabalhadores rurais, seringueiros, pequenos extrativistas vegetais (como catadoras de babaçu), pescadores artesanais, ou seja, o pessoal que bota a comida em nossa mesa ou garante, através de seu suor a produção de commodities utilizadas para a produção de alimentos industrializados, vestuário, energia, veículos.

Não importa que o desgaste dos trabalhadores rurais, não raro, seja maior que a dos urbanos e sua qualidade de vida menor. E, portanto, tenham uma expectativa de vida mais curta, de acordo com dados do IBGE e do IPEA, aproveitando menos de sua aposentadoria. E que dada a informalidade do trabalho rural (e a falta de investimentos de sucessivos governos para aumentar o poder de fiscalização a fim de combater a sonegação), muitos são os que, contratados informalmente, não conseguirão comprovar um quarto de século de contribuição.

Seja pelo limite maior de idade ou pelo tempo de carregamento do sistema, as mudanças serão um impedimento para que milhões de trabalhadores rurais de Estados com baixo índice de desenvolvimento humano possam desfrutar de alguns anos de tranquilidade depois de terem se esfolado para produzir. O governo também já acenou com mudanças, mas que, pelo que informam os deputados que debatem o tema, não devem manter as regras como hoje.

Muitas dessas pessoas começam a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já cortavam 12 toneladas de cana de açúcar diariamente, queimavam-se produzindo carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpavam pasto ou colhiam frutas sob um sol escaldante. Quando chegam aos 50, portanto, sobra deles apenas o bagaço.

Mudar a aposentadoria dos trabalhadores rurais dessa forma pode, inclusive, fazer com que intensifique-se o êxodo rural na busca por empregos que garantam a subsistência negada inchando ainda mais as periferias das grandes cidades.

Nesta semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fachin determinou abertura de inquérito para investigar um rosário de políticos, desesperando Brasília. Entre eles, o deputado federal Arthur Maia (PPS-BA), relator da Reforma da Previdência, os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) – que estão buscando aprovar a proposta e articuladores de peso, como Aécio Neves (PSDB-MG) e Romero Jucá (PMDB-RR). Isso sem contar que as delações envolvem diretamente Michel Temer em pedido ilegal de dinheiro à construtora Odebrecht.

Como perceberam pela complexidade dos dados e a quantidade de vidas envolvidas, a Reforma da Previdência é importante demais para ser aprovada à toque de caixa por um governo e um Congresso que está mais preocupado em salvar o seu pescoço diante das denúncias de corrupção. O cidadão deveria ter o direito de votar se aceita representantes que querem essa mudança drástica.

Mesmo com todas as denúncias de corrupção, o governo vai se mantendo e a proposta segue tramitando. Oferecendo migalhas à população revoltada como se fosse um favor à sociedade, enquanto leva o pão inteiro embora para que apenas alguns possam comer.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.