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Leonardo Sakamoto

Antes de "vender" o nome de um bairro, Doria deveria consultar a população

Leonardo Sakamoto

14/04/2017 11h31

O prefeito João Doria afirmou ter fechado um acordo, durante visita à Coreia do Sul, com empresas coreanas para patrocinar a reforma de praças, calçadas, iluminação e equipamentos públicos no bairro do Bom Retiro, região central de São Paulo. Primeiro ele afirmou que o bairro, que concentra migrantes dessa nacionalidade, passaria a se chamar Bom Retiro Little Seul – capital daquele país.

Depois, diante da repercussão negativa, disse que, na verdade, o bairro continuaria com o mesmo nome oficial, ganhando o "apelido" Little Seul, como homenagem ao povo coreano.

Para além das piadas com o questionável uso do inglês com finalidades turísticas, igualando o local a equivalentes em outras partes do mundo, vale lembrar que o Bom Retiro não abraçou apenas coreanos. Historicamente, é a casa ou o local de trabalho de muitos judeus, gregos, italianos, armênios, sírios, libaneses. E, mais recentemente, de bolivianos, entre outros povos latino-americanos, e chineses.

Nesse sentido, por que não Pequenas Atenas, Pequena Jerusalém (acho mais simpático e ecumênico que Pequena Tel-Aviv), Pequena Beirute ou – meu preferido – Pequena La Paz?

Talvez porque sete empresas coreanas já teriam se comprometido com a reforma do bairro. Entre elas a Hyunday, LG e Samsung, que, aliás, são alvo de investigação em escândalo que levou ao impeachment da presidente coreana, numa espécie de Lava Jato deles. Talvez porque empresas bolivianas não tenham o mesmo cacife.

Mas e se tivessem? Isso viraria um leilão por "naming rights" de partes de São Paulo, como ocorre em estádios de futebol?

O prefeito tem o direito e o dever de procurar fontes de financiamento e parcerias que garantam melhorias na qualidade de vida da cidade. Com organismos internacionais, outros governos, fundações ou a iniciativa privada.

Mas esse tipo de anúncio, feito sem ampla e prévia consulta popular, deixa a impressão de que a cidade está sendo loteada, arrendada. Se as empresas estiverem fazendo isso apenas pelo bem da comunidade local, aceitarão felizes uma plaquinha de agradecimento em algum local. E só.

Na dúvida, o melhor seria manter tudo apenas como o bom retiro não apenas de uma nacionalidade, mas de todas que a abraçaram ao longo da história da capital. Em cujas ruas se falam muitas línguas – e o inglês não é, nem de longe, a mais frequente entre elas.

Post alterado às 13h do dia 14/04/2017 para inclusão de informação sobre o "apelido" do bairro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.