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Leonardo Sakamoto

Quero ser Aécio Neves: Por que a prisão provisória é negra e pobre no país?

Leonardo Sakamoto

16/06/2017 23h15

Caso o Supremo Tribunal Federal negue o pedido de prisão provisória do senador (afastado) Aécio Neves (PSDB-MG), no âmbito do inquérito aberto por suspeita de corrupção e obstrução de Justiça, a corte deveria aproveitar o momento e também ordenar a revisão imediata da situação dos 221 mil presos que não contam com sentença definitiva, muitos dos quais acusados de crimes que não envolveram violência direta, e garantir que respondam em liberdade.

Não estou dizendo que o senador é culpado. Mas há centenas de milhares de pessoas que, como ele, afirmam que também não são, mas seguem presas sem terem sido consideradas culpadas. antecipadamente. Ele tem imunidade parlamentar e, a princípio, não poderia ser preso a não ser em flagrante. Da mesma forma, há um multidão que também foi posta atrás das grades por interpretações tortas da lei.

No último balanço do próprio governo federal, o país contava com 250 mil presos sem condenação em qualquer instância em 2014. Levantamento, deste ano, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que os presos provisórios representam, ao menos, 34% da população carcerária. O tempo médio de prisão provisória é alto: de 172 dias em Rondônia a 974 dias em Pernambuco. Do total, 29% dos provisórios são acusados de tráfico de drogas, 7% de furto e 4% de receptação. Homicídios respondem por apenas 13% do total. Quase 40% são absolvidos logo na primeira instância de julgamento. Ou estamos punindo injustamente inocentes ou colocando pessoas que cometeram delitos mais leves para "estudar" em cadeias superlotadas.

Do ponto de vista estatístico, as chances de uma pessoa como o senador são maiores de esperar o final de uma investigação ou de um julgamento em liberdade: ele é influente, branco, rico e tem bons advogados. E a maioria dos presos provisórios é anônima, negra, pobre e sem advogados constituídos.

Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo apontou que, do total de homens que deram entrada em centros de detenção provisória e responderam ao questionário, 62% tinham até 29 anos, 65% se declararam negros e 81% não tinham advogado. Entre as mulheres, 64,5% se declararam pretas ou pardas, 60,7% até 29 anos e 80% não contava com advogado.

Um pedido semelhante a esse do primeiro parágrafo deste texto já foi feito e aguarda análise do STF.

Em maio, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos solicitou ao Supremo Tribunal Federal um habeas corpus coletivo para que todas as gestantes ou mães de crianças de até 12 anos que estejam em situação de prisão provisória possam ser beneficiadas com prisão domiciliar – como prevê a legislação. Os advogados do Cadhu usaram como justificativa a decisão concedida em nome de Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.

Ela, que era acusada de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato, chegou a ficar presa, mas foi solta após a defesa argumentar que um de seus filhos tem 11 anos de idade. Ela acabou absolvida pelo juiz federal Sergio Moro.

"O caso de Adriana Ancelmo expôs a enorme seletividade do sistema de Justiça, inclusive do Ministério Público e do Judiciário", afirmou Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP, coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta e membro do coletivo de advogados, a este blog na época.

Para ela, entre as razões da Justiça ser seletiva está o fato do Brasil ser um "país racista e desigual" – o que contamina as instituições que devem executar a legislação. "Uma parte da população usufrui as garantias do estado de direito e outra não. Isso não se resolve deixando de aplicar a lei a todos, mas ao contrário."

Seria ótimo democratizar o acesso aos direitos no Brasil. Mas ele, pelo visto e com algumas raras exceções, continua uma questão de classe.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.