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Leonardo Sakamoto

É sério que deputados vão arriscar a reeleição pela Reforma da Previdência?

Leonardo Sakamoto

19/06/2017 18h34

É impressionante. Com uma regularidade de série de TV a cabo, Michel Temer, os membros de seu governo ou o pessoal de sua base aliada aparecem, semanalmente, em alguma reunião organizada por empresários para repetir "As reformas estão chegando".

Nesta segunda (19), foi a vez do relator da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Arthur Maia (PPS-BA), afirmar, em um evento empresarial na capital paulista, que é razoável a expectativa de votar a proposta em agosto mesmo com a crise política desencadeada pelas delações da JBS envolvendo Temer.

Isso já virou uma espécie de mantra. Como "O inverno está chegando", imortalizado em Game of Thrones, que aliás, estreia sua sétima temporada algumas semanas antes, em 16 de julho. Na série, o significado da frase deixou de ser apenas literal (a duração dos invernos e verões em Westeros é variável) e passou a significar outras coisas. Lá, dizer que o inverno está chegando para alguém também pode ser que a batata da pessoa está assando.

De certa forma, "As reformas estão chegando" tem um significado positivo para grandes empregadores e o mercado financeiro – que poderão aumentar a competitividade através da redução dos custos de saúde e segurança ao trabalhador. Sem contar as possibilidades que vão se abrir a instituições financeiras com a ampliação da procura por planos de pensão privados, considerando que se aposentar no Brasil, via INSS, ficará bem mais difícil.

Porém, "As reformas estão chegando" tem o sentido da "batata assando" para uma grande parcela da população que sentirá na pele os efeitos da Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência.

Sobre esta última, o relator Arthur Maia fez mudanças de perfumaria, mas as alardeia como se fossem grandes concessões. Não mexeu, contudo, com o problema central que afetará os mais pobres: exigir 25 anos de contribuição mínima é querer que muita gente não se aposente; cobrar 15 anos de contribuição dos trabalhadores rurais da economia familiar, ao invés de 15 anos de trabalho como é hoje, será impedir que quem bota comida em nossa mesa alcance a aposentadoria; subir de 65 para 68 anos a idade de acesso à aposentadoria especial para idosos pobres é sadismo contra quem passou a vida inteira de bico em bico.

Já para o governo e o Congresso Nacional, enlameados até a alma com denúncias de corrupção, "as reformas estão chegando" é, também, um pedido de paciência. Um lembrete de que ainda são capazes de cumprir a missão delegada pelo capital: "Combater a crise econômica jogando a fatura para longe do colo dos mais ricos" e "Aproveitar a crise para reduzir o Estado – não na parte que garante subsídios, desonerações e isenções de impostos sobre lucros e dividendos, o que beneficia aos ricos, mas reduzindo a parte que atende às necessidades da xepa humilde".

No Brasil, derrubar uma rainha foi mais fácil que um rei, afinal o país parece ser mais condescendente com denúncias de pedidos explícitos de dinheiro do que com decretos para emissão de crédito suplementar. E, mesmo que o rei não conte com a mínima simpatia dos súditos e seja ridicularizado pela burguesia local, enquanto os nobres não se decidirem quem, entre eles, poderá assumir o palácio a fim de garantir que o pescoço das casas reais sobreviva à Inquisição, o rei vai ficando. Até porque, como todos sabemos, a aristocracia tem nojinho e pavor de alguém eleito pela plebe.

Mas um dia a plebe se cansa de ser tratada como otária. A nobreza parlamentar deveria ficar de olho. Porque, a depender do que enfiarem por goela abaixo do povão, cabeças podem rolar em outubro de 2018.

Particularmente, prefiro Daenerys Targaryen. Até mesmo Jon Snow

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.