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Leonardo Sakamoto

Frio intenso leva pessoas que negam o aquecimento global a orgasmo enganoso

Leonardo Sakamoto

19/07/2017 18h06

Árvores congeladas no Centro de São Joaquim. Foto: Mycchel Hudsonn Legnaghi/São Joaquim Online

Dias frios como estes que temos vivido em uma parte do país causam alvoroço em uma espécie fascinante de mamífero: o negacionista. Ele não acredita que a ação humana pode ser responsável por mudanças no clima e considera isso uma teoria da conspiração para impedir o desenvolvimento econômico.

Donald Trump, que durante sua campanha à Presidência, disse que o aquecimento global era uma invenção dos chineses para atrapalhar a economia dos Estados Unidos, é um deles. Mas temos muitos no Brasil que pipocam nas redes sociais assim que os termômetros caem. É fácil identificá-los. Acham que estão lacrando a internet ao ironizar perguntando onde está o aquecimento global neste momento de frio de bater o queixo. Pois, se há aquecimento, não poderia estar tão frio, correto? Errado.

A elevação na temperatura do ar próximo à superfície do planeta e dos oceanos, causada pelo aumento de gases que provocam efeito estufa, não significa transformar o mundo em um grande forno. Entre as consequências, está o crescimento no número de eventos climáticos extremos – como grandes secas e grandes inundações, nevascas e calor intenso, mais furacões, mais tornados. E se não agirmos agora para alterar nosso modelo de desenvolvimento, a fim de mitigar os já inevitáveis impactos causados pelos gases já emitidos, vamos encontrar muita fome, pobreza, dor e morte pela frente.

Metereologistas apontam que a forte queda da temperatura, nesta semana, foi provocada por uma imensa massa de ar polar que chegou da Argentina. E que este inverno será mais rigoroso porque, ao contrário dos últimos quatro anos, não há interferência do fenômeno El Niño (de aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico), que inibia a entrada de frentes frias e massas de ar polar no país.

Pesquisadores evitam afirmar que eventos específicos são consequência direta de mudanças climáticas. Preferem verificar a sua incidência ao longo do tempo e checar o aumento em sua frequência e em sua intensidade. Daí, olhando para uma série histórica, é possível entender a evolução do clima e quais suas manifestações extremas.

Falta a muitos que negam as mudanças climáticas a capacidade de enxergar o todo e aceitar que a vida pode ser complexa. Não raro, observam apenas uma amostra do mundo e, metonimicamente, constroem a realidade baseado nesse recorte. Comportamento que se repete em outras áreas, como o debate político: o sujeito pesca uma frase de um interlocutor e, descontextualizando-a, reduz todo um discurso a uma ideia distante do objetivo de quem a proferiu. Seja para vencer um debate, seja para interpretar a vida à sua maneira.

Grosso modo, seria igual a um comentarista esportivo que, vendo um time mandar muito bem em um jogo amistoso, ridiculariza os comentaristas que alertam para o risco de rebaixamento, considerando a permanência consistente nos últimos lugares da tabela, num campeonato que dura décadas.

O "Relógio do Juízo Final", um medidor simbólico mantido pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, nos Estados Unidos, mostra o quão perto estamos de destruir nossa civilização por tecnologias que criamos. Inicialmente, ele retratava o risco de armas nucleares, mas, recentemente, passou também a considerar mudanças climáticas, biotecnologia e nanotecnologia, entre outras, que podem, mesmo sem intenção, passar a régua na humanidade.

Na pior situação do relógio, chegamos a 2 minutos da meia-noite (em 1953, com sucessivos testes nucleares do EUA e da União Soviética) e, na melhor, a 17 minutos (com a redução do arsenal nuclear ao fim da Guerra Fria). Desde então, o reloginho foi se aproximando do fim dos tempos e, em 2017, foi ajustado para 2 minutos e 30 segundos para a meia-noite. Entre os motivos principais, ameaças nucleares, mudanças climáticas e Donald Trump, segundo o grupo de cientistas responsável pelo relógio.

Muitos negacionistas usam discursos de que a economia não pode pagar pelo custo das necessárias mudanças no modelo de desenvolvimento pela qual passam a solução. O Brasil, principalmente por conta do desmatamento para a agropecuária e o extrativismo, é um dos países que mais contribuem com gases de efeito estufa na atmosfera.

Não é à toa que uma das mais estranhas e, ao mesmo tempo, brilhantes alianças táticas no parlamento brasileiro seja entre a bancada do fundamentalismo religioso e a bancada ruralista. De um lado, os fundamentalistas religiosos ajudam a garantir a manutenção de um desenvolvimento a qualquer preço, passando por cima do meio ambiente, como se não houvesse amanhã. Do outro, parte dos produtores rurais e extrativistas contribuem para que os direitos humanos sejam rasgados diante de uma visão distorcida de religião, garantindo que não faça muito sentido existir um amanhã. Um faz o jogo do outro. O pacto é perfeito. Pois só restará lamentar. Ou rezar.

Por fim, vale dizer que negar é também perder dinheiro. O Brasil tem ignorado, há anos, em seus planejamentos os estudos e relatórios internos que mostram que mudanças climáticas já afetaram, de forma definitiva, nosso regime hídrico. E, consequentemente, a produção de energia, a agropecuária e o consumo humano de água. E vai jogar para a população o preço, econômico e social, dessa incompetência ou cara de pau.

Reclamamos da arrogância de Donald Trump, que afirma para o mundo que irá deixar de seguir os pactos firmados para reduzir o impacto da mudanças climáticas porque, simplesmente, não acredita nelas. Bradamos que esse comportamento negacionista não nos representa. Mas quando falamos dos desastres nada naturais daqui, muita gente não quer ouvir, não acredita, pouco se importa ou xinga quem reclamou – na mesma tática do presidente do Grande Irmão do Norte.

O impacto das mudanças nem bem começou. Ainda vamos ranger muito os dentes por conta delas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.