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Leonardo Sakamoto

Brasil vive bem com crianças pobres, mas não suporta ver um rico infeliz

Leonardo Sakamoto

25/07/2017 09h32

Indígena tenta impedir reintegração de posse no Amazonas. Foto vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, categoria Fotografia – Luiz Gonzaga Alves de Vasconcelos, Jornal A Crítica (2008). Segue mais atual do que nunca

Mais de 40% das crianças e adolescentes até 14 anos estão em situação de pobreza no Brasil, o que equivaleria a 17 milhões de pessoas, de acordo com levantamento da Fundação Abrinq baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. Neste caso, considera-se pobre uma família que vive com menos de meio salário mínimo por pessoa por mês.

O dado é alarmante, mas traz outra discussão importante. Pobreza não é apenas uma questão de falta de dinheiro nas famílias. No Brasil, a ausência de instituições e políticas públicas que possam garantir qualidade de vida à população aumenta sua dependência do fator da renda. Como o Estado não atua na efetivação de determinados direitos, tudo tem que ser adquirido, comprado, monetarizando o que, de acordo com a Constituição brasileira, deveria ser fornecido gratuitamente a todos os cidadãos.

Quando se discute a pobreza no Brasil, foca-se, equivocadamente, em quanto dindim devemos repassar adiante ou quanto de crescimento econômico e, portanto, massa salarial temos que gerar, mantendo os elementos que garantiriam qualidade de vida mínima através da ação do poder público fora do centro pauta.

Dessa forma, educação (que liberte e não gere pessoas-robôs), saúde (de qualidade), cultura (e a valorização das realidades locais em detrimento à homogeneização televisiva nacional), habitação (decente e não de cubículos que se desmontam), saneamento (básico), se universalizados com qualidade, trariam um impacto real na vida dessas crianças maior do que a renda em si.

Claro que a distribuição de recursos, como ocorre no Bolsa Família, é importante para avançar mais rapidamente no alívio do sofrimento da pobreza extrema enquanto desenvolvem-se as outras áreas.

Mas há quem goste de fugir de ações de longo prazo, como o governo Michel Temer, o que foi comprovado pela aprovação da PEC do Teto dos Gastos – que congelou investimentos públicos em áreas como educação, saúde, cultura, habitação e saneamento pelos próximos 20 anos. Enquanto isso, mantém subsídios e isenções fiscais obscenos a empresas que não se traduzem, necessariamente, em geração de emprego ao andar de baixo.

Com isso, ajudamos a congelar também o futuro de milhões de jovens – que dependem do Estado para garantir seu quinhão de dignidade e começar sua caminhada. Isso poderia ser amenizado se o governo resolvesse taxar lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas e aumentasse o recolhimento de imposto sobre grandes heranças, investindo esse recurso na coisa pública.

Porém, o cronograma organizado é: primeiro reduz-se o parco Estado de proteção social dos mais pobres e remove-se direitos em grandes reformas. Depois, discute-se essa questão de desigualdade tributária e de injustiça social.

A verdade é que o Brasil consegue conviver bem com 17 milhões de crianças e adolescentes pobres. O que o país não suporta é ver sua elite chateada e tristucha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.