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Leonardo Sakamoto

Brasília é foda - Ou como tudo é uma grande metáfora de sexo e poder

Leonardo Sakamoto

29/08/2017 14h58

Votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Tudo na vida está relacionado a sexo, exceto o próprio sexo, que está relacionado a poder. A frase é atribuída ao escritor irlandês Oscar Wilde, mas nunca encontrei a fonte original que comprovasse isso (se alguém a tiver, por favor, me envie). De qualquer forma, mesmo com paternidade duvidosa, ela é bastante usada, inclusive por roteiristas de programas de TV. Por exemplo, já passou pela boca de Frank Underwood, político que amamos odiar, protagonista da série House of Cards, em um diálogo com uma jornalista com a qual mantinha um relacionamento.

Não me atreveria a comparar Underwood ao senador Romero Jucá – Frank tem charme. Mas Jucá se esmera em produzir metáforas carnais.

Desta vez, comentando de forma irônica as denúncias apresentadas contra ele pelo procurador-geral da República, questionou se Rodrigo Janot teria um fetiche com o seu bigode – citado em uma das ações contra o senador do PMDB de Roraima.

Romero Jucá é um dos melhores articuladores políticos no Congresso Nacional. Não estou analisando sua honestidade ou ética, mas sua capacidade de alcançar resultados. Como dizem seus colegas, é um trator. E, passando por cima de tudo o que apareceu na frente, garantiu a aprovação da Reforma Trabalhista no Senado Federal em curtíssimo prazo. Para a tristeza dos trabalhadores mais pobres que sofrerão as consequências da redução na proteção à sua saúde e segurança.

Não é a primeira vez que Jucá apela a esse tipo de expediente, como este blog já mostrou. Em fevereiro deste ano, falando à Agência Estado, afirmou: "Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada".

A declaração foi uma crítica à proposta do Supremo Tribunal Federal de restringir o foro privilegiado de políticos apenas a fatos acontecidos no mandato em exercício, não abrangendo o que veio antes. Ele defendeu que a restrição do foro valha para todo mundo (como Judiciário e Ministério Público) ou para ninguém. Depois da repercussão negativa, disse que a declaração estava fora de contexto e, na verdade, ele estava citando uma música do finado grupo Mamonas Assassinas.

Talvez o trecho a que ele se referia, na música Vira-Vira, era "Neste raio de suruba, já me passaram a mão na bunda/E ainda não comi ninguém!". Menos sutil que uma ironia de fetiche pelo bigode, portanto.

Essa história de quem comeu quem, aliás, remete à gravação da conversa que Jucá teve com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, divulgada pela Folha de S.Paulo, em maio de 2016. Ele afirmou que havia "caído a ficha" de líderes do PSDB sobre o potencial de danos da Lava Jato: "Todo mundo na bandeja para ser comido". Sérgio Machado, que era do PSDB antes de se filiar ao PMDB, afirmou então que "o primeiro a ser comido vai ser o Aécio". Pode se discutir um sentido canibal ou sexual para a coisa, o que deixo a cargo da criatividade de você, leitor ou leitora. Mas sabendo como Brasília funciona, está mais para o Marquês de Sade do que para o Bispo Sardinha.

Enquanto isso, o povo segue assistindo aos bacanais patrocinados com recursos públicos de longe, no máximo preenchendo as taças de vinho de quem manda de verdade. Isso quando a própria classe política não passa a mão em nossa bunda, sem pedir licença. E foram várias passadas de mão não-autorizadas – a PEC do Teto (limitando os investimentos em educação, saúde, segurança, ciência, entre outras áreas públicas, pelos próximos 20 anos), a Lei da Terceirização Ampla e a Reforma Trabalhista (que terá impacto negativo na dignidade dos mais pobres), a redução na proteção ambiental, o ataque aos direitos das comunidades tradicionais, o perdão de dívidas bilionárias do empresariado, o uso de recursos públicos para comprar políticos e manter o grupo de Michel Temer no poder, entre tantas outras.

Chegamos, enfim, a uma clara constatação: parece política, mas é só sacanagem.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.